segunda-feira, 4 de maio de 2009

Exilados III

Como prometido, seguimos com a terceira parte da história de Neil Gaiman. Parte ler a parte I e pate II.
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- Disse alguma coisa , mestre?
- Eu não disse nada.
-Perdão, mestre. Pensei tê-lo ouvido falar.
-Estou compondo cartas que talvez escreva quando esta jornada chegar ao fim e estivermos a salvo. É assim que ocupo a mente durante a viagem. Você faz alguma coisa para ocupar a sua mente?
-Eu rezo , mestre, para que o todo-poderoso e todos os deus menores velem por nossa travessia no deserto. E nutro esperanças.
-Ouvi dizer que ilusões se propagam neste deserto e que fantasmas e espíritos de raposas vagam por ele, roubando viajantes e fazendo com que saiam da trilha.
-É verdade, mestre.
-Quanto tempo nos resta até cair a noite?
-Muitas horas, mestre.
-E até cruzarmos o deserto?
-Ao menos mais um dia, mestre.

Meu guia tem sinos de prata costurados na manga. E sinos de prata nas rédeasdo cavalo. Os ventos podem soprar sem aviso no deserto. Muitos que o adentram jamais saem.

O imperador não ordenou minha morte. Ainda assim, ele não lamentaria se isso acontecesse. Eu o aconselhei com sabedoria, assim como ao seu pai antes dele. Aquilo que sonhamos jamais deixará de ter sido sonhado. Estou viajando há muitos meses.

Meu coração está pesaroso em meu peito: sonho com uma xícara de vinho. Imagino uma xícara de porcelana. Sirvo o vinho quente e bebo devagar, com prazer. Mas não temos vinho, e o vinho da memória é ralo. Calor e frio, crepúsculo e auroras, istoé o que resta. As vezes não acredito que minha jornada terá um fim.

Areia do deserto açoita minha face. É como se fustigassem meu rosto com uma chicote de arame. Certa vez, minha esposa torturou uma serva com um chicote de arame. Um anel de ouro havia sumido e a jovem era a única suspeita. Minha esposa a matou antes que ela pudesse confessar. Muitos anos depois, encontramos o anel caído entre duas tábuas do assoalho...

As rédeas se afrouxaram em minhas mãos, e sinto o peso da idade esta noite. Aviso ao estribeiro que vou desmontar, e ele segura o cavalo. Um vento traz areia para me cegar... e fico cego. E quando minha visão clareia, estou sozinho. Dizem os sábios que aquilo que está enterrado um dia se revelará: se eu esperar o bastante, escutarei o tilintar dos sinos de prata. E retomaríamos nossa jornada à cidade de Wei.

Já vi outras ilusões antes, em outros desertos. Certa vez, no extremo sul, vi o Palácio Imperial. Cada telha e entalhe, nítidos,embora tenham desvanecido à medida que nos aproximamos. Vio movimento do mar em lugares sem água. Agora, estandartes escarlates tremulam orgulhosos, embora não haja vento, e o perfume da resina de âmbar-amarelo preenche o ar.

*continua...

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