sexta-feira, 17 de abril de 2009

EXILADOS

Quando criança, vivi entre bosques de amoras. No verão, as amoras manchavam o verde da relva com sua polpa rubra. Pássaros de mil cores dançavam no céu quando eu era menino. Eles animavam o dia com suas intrincadas canções. Somos quem escolhemos ser, cantava o pintassilgo quando o sol estava a pino. Eu sonho com sonhos sobre sonhos, cantava o rouxinol sob a lua pálida. As meninas da minha aldeia tinham lábios que lembravam ameixas, eram muito mais adoráveis que as outras meninas das outras aldeias, nos dias de minha juventude.

Agora que estou mais velho, respeito a vontade dos deuses. Há muito tempo, fui aprovado nos exames e nomeado governador de uma província inteira. Comandei exércitos. Aconselhei dois imperadores. Toda a minha sabedoria estava ao seu dispor, e tudo que eu conhecia estava sob suas ordens. Tive dezenas de milhares em dinheiro, uma esposa, um filho e muitas concubinas. Somente a fênix ascende e não desce: agora com idade avançada, fui mandado para longe da corte, da minha família e de tudo que conheço, rumo ao exílio.

Vi muitas coisas estranhas em minha jornada. Cruzando as montanhas Nan Shan, formos cercados por lobos, incitados por uma criatura atrofiada a quem chamavam de rei. Quando a matamos, o resto perdeu a coragem. Sonhei com as responsabilidades dos imperadores; há muitas léguas já não escuto o rouxinol.

Mas sonhei com sonhos sobre sonhos.

-continua...

*Está é a primeira parte de uma história que será publica aqui em 4 momentos, não necessariamente seqüenciais. Ela pertence ao livro Despertar, de Neil Gaiman. Já falei anteriormente desse livro aqui. O livro é maravilhosamente ilustrado por Michael Zulli e faz com que cada palavra acabe ganhando outra forma e movimento. Apesar de nesse momento estar presente apenas o texto, acredito - como vocês irão perceber – que o encanto de cada trecho é forte o suficiente para nos aproximar do protagonista que narra essa jornada. Como diz o título, Exilados, fala da necessidade de partir, e seja voluntário ou não, em minha opinião, o exílio implica num modo de compartilhar o desafio de aceitar essa jornada da melhor maneira possível. Este texto ofereço então, para todos aqueles que buscam sua casa, seu silêncio e sua paz, particularmente para aqueles que o buscam dentro de si.

Nenhum comentário: