quarta-feira, 22 de abril de 2009

Exilados - parte II

*você pode ler a parte I aqui e entender melhor o que está acontecendo.

Parte II

Velho amigo, escrevo essa carta apenas em mente. Mas é uma carta esplêndida, com caligrafia perfeita. Mãos idosas não tremem ou se contraem quando a carta é escrita no ar.

Quando meu filho nasceu, o imperador encomendou fogos de artifício. Explodiram no céu noturno como girassóis de luz. Agora meu filho está morto e eu fui exilado.

O deserto é cinzento: areia cinzenta sob céus cinzentos. Este deserto é cinzento, digo ao meu guia, e ele concorda. Ele é um homem de uma aldeia local. Pergunto o nome do deserto, mas meu guia não responde. Seu nome é um mau presságio, e maus presságio se tornaram minha vida.

Meu filho se aliou ao povo da Lótus Branca. Você tem sorte por eu ter lhe poupado a cabeça, me disse o imperador. E agora aqui estou, com areia na barba, nos olhos e ouvidos, pensamentos se espalhando por cinza e areia, Sonhos, como espuma do mar, se espalhando sobre tudo.

Na aldeia em que encontrei meu guia, avistei uma pequena gata, branca como uma pétala. Ela me conduziu até as rochas nas cercanias da aldeia e mostrou seus filhotes. Se encontramos filhotes por aqui, eles são mortos, me disse o estalajadeiro. Nesta aldeia mal a comida para os homens.

Naquela noite voltei às rochas, embora estivesse frio, e escondi o menor dos filhotes em minha manga. Mal temos água suficiente para cruzar este deserto. Somente um tolo traria um gatinho para cá. Hoje ele me arranhou três vezes com suas garras. Seus olhos miúdos ainda são de um azul indistinto. Quando paramos para nos aliviar, o gatinho faz o mesmo. Espero que ele viva até chegar na cidade de Wei, além do deserto.

É em Wei que viverei os anos que me restam.

Suave, suave sussurra o deserto, como o oceano lambendo os seixos na praia.

-continua...

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