quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Daquilo que precisamos combater.

Ainda inspirado pelos Os Crespos, acho que vale a pena pensar naquilo que somos de fato, e também como faz um tempo que não escrevo sobre os homens, aí vai. Esses dias conversando com minha irmã (que é uma mulher interessantíssima) sobre relacionamentos, falavamos sobre a habilidade de se "ligar" em pessoas interessantes. Muitas e muitas vezes ouvimos ou falamos dos modos que as pessoas devem ser e de como são atraentes de diferentes modos, ou não, para nós. Reza um zum-zum-zum por aí que a coisa está mais complicada para o lado das mulheres que dos homens. A mulherada (a hetero mesmo) vem vertiginosamente lamentando a escasses de seres do gênero masculino interessantes nos espaços de convivência e mais ainda nos de intimidade. Confesso que minha impressão é a da pasmaceira geral tomando conta do planeta, da mesmice incansável habitando todo mundo, indiferente ao gênero. Em parte, coisas do mundo dominado que tio Adorno & cia já contaram tão bem. Porém, há sim nuances que comprometem mais os homens. Entre algunas possibilidades para esse entendimento, existem os modos de combate para eliminar o homem-médio. Esse ser é o parceiro ideal da mulherzinha. Basta visualizar, entre outras coisas, o fulano que nunca se compromete com porra nenhuma e a beltrana que adora ser vítima. Sabe esses tipos? Ambos estão com certa frequência em nossos convívios e a diferença é que tenho reparado as mulheres lutando corajosamente melhor contra esse ser do que os homens. Os 'machos' andam num corpo mole que dá dó! Não que concorde com absurdos que as vezes escuto, sobre o principal problema das mulheres serem esses seres complicados em suas vidas, mas que tem lá razão de ser isso, tem mesmo. Um exemplo. Nas conversas que as meninas muitas vezes não participam, estão lá os cuecas destilando invariavelmente em algum momento seus preconceitos mil. Homofobia e sexismo encabeçam a lista. E de um modo não tão raro assim, estão eles falando sobre suas preferências adivinhem do quê? Mulherzinhas! De como eles adoram os jeitos e existências das mulherzinhas. Em parte pela simples questão de que assim eles podem seguir alimentando seus homens-médios sem maiores problemas. Solução? Talvez se ligando melhor no bom combate para sair desses lugares conseguiremos ter melhores encontros. Combatendo o homem médio em mim, mantenho a mulherzinha bem afastada da minha intimidade. Tarefa árdua, mas porque não tentar? Talvez por isso eu me defina como parte daqueles tipos que não vão deixar de se aproximar de alguma pessoa por ela não ser o 'ideal' da mulherzinha e de sua beleza. Claro que tenho minhas preferências, mas eu gosto mesmo é de Mulher. Com enorme frequência são elas que me dizem coisas incríveis e me ajudam a tentar vencer o homem-médio que muitas vezes insiste em aparecer para bater um papinho. Na conversa com minha irmã nos demos conta que não temos que nos contentar com pouco, nem que isso as vezes nos custe algumas noites solitários. A mim o que interessa é a possibilidade de encontro com a autenticidade, e também graças a meu Pai Oxalá, alguma coisa acontece que a vida tem me dado muito mais do que peço. O vídeo abaixo é um pouco disso. Não se deixar enganar para depois não lamentar o porque de viver a angútia de que alguma coisa esta fora do lugar.

Extra! Extra!

A imagem construída e a construção da imagem. Livremente inspirado na Cia. Os Crespos: nem sempre aquilo que vemos é tão voluntário e gratuito assim.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

As senhoras de Santana da imprensa

Em 1980, surgiu em São Paulo um grupo de mulheres preocupadas com a “imoralidade” que tomava conta da televisão. Sobretudo com os programas que surgiam naquela década falando abertamente de sexo, como o da hoje candidata a senadora Marta Suplicy no TV Mulher. Apelidadas de “senhoras de Santana”, por serem moradoras do bairro com este nome, elas marcaram época e viraram sinônimo do atraso e do conservadorismo nos costumes.

Trinta anos depois, surge uma nova geração de “senhoras de Santana”. Desta vez, não descobertas por jornalistas: são jornalistas. Instaladas em número cada vez mais volumoso nas redações, premiadas com cargos de chefia e ascensão meteórica, as senhoras de Santana do jornalismo são o exato oposto da figura mítica do repórter talentoso, espirituoso, culto e algo anarquista: têm um texto ruim de doer e nunca leram nada a não ser seu próprio veículo, mas cumprem rigorosamente as tarefas que lhes são dadas. Seu maior ídolo é o patrão.

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Esqueça a imagem do jornalista concentrado, batucando com rapidez sua reportagem com um cigarro pendurado no bico. As novas senhoras de Santana do jornalismo não fumam. Aliás, deduram quem estiver fumando em ambiente fechado, como reza a lei imposta por aquele político que seus patrões adoram e que eles, obedientemente, passaram a bajular. Fumar baseado, então, nem pensar. Os repórteres de Santana são contra a descriminação de todas as drogas, até da menos nociva delas. Se as senhoras de Santana do jornalismo soubessem que andam por aí fumando orégano, fariam matérias pela proibição do uso, mesmo na pizza.

As novas senhoras de Santana do jornalismo não questionam o poder ou os dogmas da Igreja católica. Pelo contrário, fazem questão de ir à missa todos os domingos. Pior: simpatizam com a Opus Dei, a ala mais conservadora do catolicismo. São contrários à liberação do aborto e defensores do papa sob quaisquer circunstâncias, inclusive quando o suposto representante de Deus na Terra é acusado de acobertar a pedofilia.

Ao contrário do que ocorreu no passado, quando os jornalistas tiveram papel importante na luta contra a ditadura, as novas senhoras de Santana do jornalismo se especializaram em denegrir a imagem daqueles que optaram pela ação armada para combater o poderio militar. Vilipendiam os guerrilheiros com fichas falsas e biografias inventadas. O repórter Vladimir Herzog morreu enforcado nos porões do regime. Não viveu para ver a triste transformação dos “coleguinhas” em senhoras de Santana. Quando Herzog morreu, a grande maioria dos jornalistas se dizia de esquerda. As novas senhoras de Santana do jornalismo adoram pontificar que não existe mais esquerda e direita, mas são de direita.

Nem pense nos papos animados após o fechamento dos velhos homens de imprensa, varando madrugadas pelos bares da vida. As novas senhoras de Santana não bebem, vão direto para casa depois de trabalharem mais de dez horas por dia – sem carteira assinada. E ainda patrulham a birita alheia, como se fossem fiscais de trânsito 24 horas a postos com seus bafômetros virtuais. “O presidente bebe cachaça”, torcem o nariz as jornalistas de Santana. “A candidata do presidente torceu o pé. Deve ser porque encheu a cara”, acusam.

Toda vez que as novas senhoras de Santana da imprensa encontrarem aquele ator famoso que andou se desintoxicando do vício de cocaína e por isso perdeu papéis em novelas, vão torturá-lo com as mesmas perguntas: “Você parou mesmo de cheirar?” “O tratamento funcionou ou não?” Sim, os jornalistas de Santana não saem para beber porque preferem ficar em casa vendo novela. Se duvidar, as novas senhoras de Santana do jornalismo nem fazem sexo. Talvez de vez em quando, vai. Mas só papai-e-mamãe. E heterossexual, claro.

No futuro, as escolas de jornalismo serão monastérios, de onde sairão mais e mais senhoras de Santana habilitadas não só a escrever reportagens como a rezar a missa.

Para quem ainda não entendeu.

Você acha que podemos falar de voto de protesto?

domingo, 26 de setembro de 2010

A gente vive, eu acho, é mesmo, para se desiludir e desmisturar.
G. Rosa

sábado, 25 de setembro de 2010

Me chamo rua.

A rua sempre me encantou. Amo a rua e tudo que há nela. Tudo. Tudo que convida. Não compreendo os que dizem temer a rua, aqueles que a percebem como ameaça, como lugar proibido e de pouca convivência. Ela é única. Tudo que respira e tudo que há para saber, para sofrer, para compartilhar, tudo para esquecer, para permanecer, para mudar, para retornar. Amo a rua.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O que te faz feliz?

O que te faz sentir potente? Qual é o teu poder? O argumento de ser um consumidor é o máximo que consegue para ser notado? Comprar te faz sentir poderoso e importante? Quarta-feira última, dia 22, foi o dia mundial sem carro. A coisa existe a alguns anos em quase todo o mundo e seu principal objetivo e fazer todxs pensarem a respeito da mobilidade, principalmente nas cidade, e o uso do carro. Como, infelizmente, não podia deixar de ser - apenas por enquanto- a cidade de São Paulo e a grande maioria de seus habitantes praticamente ignoraram a data. Porém, alguns de seus moradores não! Aproximadamente 1000 pessoas de todos os cantos da cidade se reuniram para pensar sobre o dia e mostrar o que podemos fazer. Munidos de veículos não-automotores, estiveram reunidos na praça do ciclista na Av. Paulista a partir das 18h, e por volta as 20h, iniciaram sua movimentação.
Ainda fico emocionado só de lembrar! Enquanto no dia a dia pessoas sem carro, particularmente ciclistas, sofrem com a violência do trânsito e precisam de muita coragem e cautela nas ruas da cidade, nessa noite a relação foi subvertida, mas sem ameaças para os motoristas. Por duas horas a A. Paulista, 23 de maio, túnel Ayrton Senna, vicinal da marginal Pinheiros e depois Rebouças, foram tomadas por bicicletas mágicas que mantiveram seu ritmo e seus espíritos livres!
Claro que os motoristas apressados e enlouquecidos não entenderam. Mesmo com a faixa no fim da manada dizendo :"Você é dono de um carro, não da rua!", lamentavelmente eles não entenderam...
Não importa, nessa noite nada pode ser feito além do costume, e eles esperaram. Esperaram, mas dessa vez, porque a rua é de todos. A rua não pertence apenas a carros. O espaço público é de quem esta nele. A pedalada tem seu tempo e nessa noite ela se fez presente com toda sua autonomia e encanto. Carros não cruzaram os semáforos até a última bike sair do cruzamento.
Espaços costumeiros que não respeitam outros veiculos que não máquinas motorizadas foram ocupados sem abertura para negociação. Talvez alguns entendam isso como uma provocação- e tenho que confessar - é mesmo! Sem algum modo de contestação, pouca coisa muda. Sem indignação e fúria tudo vai ficar na mesma. E quem está contente com as coisas assim? Não queremos governar, mas também não seremos governados! Menos ainda por um estilo de vida que f. a todos e já se revelou uma enorme mentira.
A massa crítica que tomou algumas ruas importantes na noite de quarta-feira em São Paulo quer dizer exatamente isso. Viemos para ficar! Leia isso como uma declaração de guerra, ou não, realmente não nos interessa. O que nos importa é que a rua é nossa também e se você tem pressa e pensa ter o direito de colocar outras vidas em risco, esta mais do que na hora de rever seus valores e prioridade.
A massa crítica é um movimento. Não é uma instituição, uma organização, um grupo fechado, uma hierarquia, um comando ou um esforço de controle. Ela é pura necessidade e luta. E claro, prazer. O mal-humor deixamos com os motoristas. Mais amor e menos motor! Clamam as ruas tomadas por bicicletas nesses dias.
Ela é um enorme fodasse para a modernidade e suas certezas. Ela é subversão e liberdade de direção. A polícia não pode nos deter! O Estado vai ter que escutar e mudar, e a senhora sociedade... bom, essa vai precisar de outras coisas além de suas buzinas e de suas ofensas para nos fazer sair da frente.
Não sairemos!
A tomada do espaço pública revela, antes de mais nada, o poder da coletividade. Juntos somos invencíveis! Dar-se conta de estar em um lugar que é teu por direito, mas que na prática se faz notar pela opressão e imposição, e tomar de volta o que lhe pertence é fantástico. Tomar as ruas de assalto como foi feito no dia 22 é voltar a dar sentido a vida já aprisionada e cansada na cidade.
Humor minha gente! A cidade pede humor! Bicicletas são lindas e fabulosas, como pensar que isso é um problema? Como ser raivoso com tal invento? Coletividade criativa, espontânea e vigorosa! Gostaria disso em sua vida? Então, venha! Massa crítica é a solução para muitos males! Sinta a euforia das ruas, o contentamento desse poder, desse enfrentamento! Lutar pode te oferecer um sentido maior de emancipação. Pertencer e conquistar algo além de um trabalho e um salário vai te ampliar as possibilidades.
Bicicletas farão a revolução? Creio que não. Porém, pessoas pedalando com suas utopias, não resta a menor dúvida.
Tua bicicleta é mais poderosa do que pode imaginar!

E não esqueça: a revolução não será televisionada!

Amor em tempos de cólera

Apenas seguindo a quase tradição desse blog de dizer coisas sobre o coração. Como certa vez uma amiga mexicana me falou durante uma conversa a respeito dos temas do cancioneiro latino: y qué más se puede cantar, si no sobre el amor?

Por Denise Deschamps

Refletir sobre os laços amorosos na contemporaneidade é algo pra lá de complexo. Sabemos o quanto às relações sociais vêm sofrendo em termos de mudança até mesmo de paradigmas. As inovações trazidas para os laços entre o masculino e feminino marcam, de certa maneira, o sentimento de solidão do qual muitos sujeitos se queixam.

Entendemos que os vínculos afetivos se constituem na "liga" que permeia todo fazer humano. Esses laços são, como diria o próprio Freud, nosso paraíso e ao mesmo tempo fonte do mais cruel dos sofrimentos. Chega a afirmar que: "O sofrimento oriundo dessa fonte é talvez o mais duro para nós do que qualquer outro"(Mal Estar na Cultura). A dor da perda do objeto de amor, daquele que em um entrelace entre realidade e projeção se torna o depositário do que J. -D Nasio irá nomear como o organizador das pulsões. "De fato, a ruptura de um laço amoroso provoca um estado de choque semelhante àquele desencadeado por uma violenta agressão física: a homeostase do sistema psíquico é rompida, e o princípio de prazer abolido".( J. -D Nasio – "A Dor de Amar)

Frente a uma modernidade (ou pós-modernidade) onde a dor ganhou contornos de pecado, o amor tanto é a esperança como uma grande ameaça, algo que pode jogar o sujeito no mais temido pela organização social – o sofrimento. Permeiam então, e atravessam as relações, algo que apontará para o novo, como um descompromisso e uma relação sempre na superficialidade dos afetos ou remeterá ainda, à fuga pela aceitação de velhos paradigmas, e na manutenção de relações onde o vínculo afetivo se rompe e restam compromissos estéreis, ligados a uma velha ordem social em franco processo de mutação. Ante uma ou outra possibilidade, restará a esse sujeito a vivência de uma grande angústia e um esvaziamento afetivo e pulsional em relação a sua realidade e mundo externo. A dor, essa grande ameaça que acaba por montar um muro de indiferença que marcam as relações contemporâneas aponta como primeira premissa a ser evitada.

" 'Nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos tão irremediavelmente infelizes como quando perdemos a pessoa amada ou seu amor'(Freud). Acho essas frases notáveis porque elas dizem claramente o paradoxo incontornável do amor: mesmo sendo uma condição constitutiva da natureza humana, o amor é sempre a premissa insuperável dos nossos sofrimentos. Quanto mais se ama, mais se sofre"(Nasio)

Constroem-se mil hipóteses para a solidão do homem moderno que, contraditoriamente a isso, constrói em tecnologia aparatos que falam todo tempo em relações em rede, conectividade, quebra do paradigma do individualismo para alguns pesquisadores. Fica parecendo um algo incompreensível e inapreensível. Esse homem é indiferente ou sofre? Está em relação mais do que nunca ou se isola cada vez mais? Avança no sentido de sofrer menos exigências morais da cultura ou se enclausura cada vez mais nelas? Questões e mais questões são levantadas quando pensamos nesse sujeito e suas relações de vínculo. A psicanálise do ser social ou aquela que dirige seu foco para as relações objetais, mais do que nunca é chamada a "falar", a expor o latente em uma representação aceitável para os níveis de recalque operados pela cultura.

Se a tecnologia avança cada mais em seu poder de destrutividade, avançará também em suas possibilidades de união fraterna? Perguntas irrespondíveis, pelo menos por hora. Podemos supor que o embrião dessa união fraterna nasce ali do vínculo que une dois parceiros em busca desse amor, apoiados em suas matrizes que os remeterão ao seu primeiro objeto de amor, igual para ambos, suas mães ou quem exerceu essa função. Dizem que os novos tempos trazem atrelados modelos de união perversa, isso dito naquilo que ela tem de mais cruel, a perversidade como traço. Será mesmo que isso é o que se dá? Ou poderíamos pensar em toda uma proteção perversa em relação a dor que as relações fast-food podem provocar em nossa instável organização pulsional? Fusão e desfusão, Eros e Thanatus, na balança que movimenta o ato da vida. Por outro lado essa instabilidade aponta e remete para a possibilidade de relações criadas e mantidas apenas por fortes laços afetivos, onde normas sociais não serão mais a grande mortalha do amor. Esperança, tema que a psicanálise em alguns de seus setores tem voltado o seu olhar.

Talvez possamos pensar nos discursos erguidos contra as novas formas de amar como uma resistência à mudança que se opera irremediavelmente em nossos contornos sociais. Ergue-se então toda uma falácia religiosa em torno do tema, alguns setores atacam as novas constituições familiares em um claro movimento de retrocesso e resistência.

Mais uma vez o velho Freud nos ajuda a refletir em sua obra "O Futuro de Uma Ilusão":

"É duvidoso que os homens tenham sido em geral mais felizes na época em que as doutrinas religiosas dispunham de uma influência irrestrita; mais morais certamente não foram".

Isso talvez esteja atravessando e alimentando todo medo que hoje se ergue em torno desse amor de parceria, desse encontro amoroso entre dois seres. O luto que a sociedade insiste em ver como algo a ser evitado, algo que queima tanto a visão quanto queima olhar para nossa condição incontornável de sermos seres com uma finitude determinada desde o nascimento.

"O luto não é nada mais que uma lentíssima redistribuição da energia psíquica"(Nasio). Só poderemos nos entregar ao amor se pudermos lidar com a existência da perda, não como algo onde morremos, mas o próprio caminho que permeia a vida. O que existe em cada passo que damos.

Há um trecho interessante nessa obra de J.-D.Nasio citada, onde ele expõe a fala de um analisando frente a perda de sua mãe, talvez ela exemplifique muito bem o que abordamos aqui, diz:

"Uma parte dela está desesperadamente viva em mim, e uma parte de mim está sempre morta com ela".

A possibilidade dessa cronificação da dor afasta qualquer possibilidade de investimento amoroso construtivo e prazeroso. O chão do amor e dos vínculos nos remete à própria construção freudiana, a toda a complexidade fusional, onde união e desintegração caminham sempre fusionados. Resiste o conceito de amor que quer banir a possibilidade de perda, a sociedade cultua frases como aquela terrível da obra que atravessou gerações "O Pequeno Príncipe", onde se lê: "Tu te tornas eternamente responsável por tudo aquilo que cativas". Que terrível presságio!

Resta então a solidão da modernidade, o afastamento dos vínculos enquanto o caminho do amor e da construção fraterna. Seres solitários ou acompanhados padecem da capa da indiferença e do cinismo afetivo.

Volto a Freud em "O Futuro de Uma Ilusão", para lançar uma luz de esperança para a modernidade das relações, sem o sentimentalismo deliróide do "amai ao próximo", seja ele quem for; nessa passagem linda onde nos faz refletir:

"Meu amor, para mim, é algo valioso, que eu não devo jogar fora sem reflexão. A máxima* me impõe deveres para cujo cumprimento devo estar preparado e disposto a efetuar sacrifícios. Se amo uma pessoa, ela tem de merecer meu amor de alguma maneira. (Não estou levando em consideração o uso que dela posso fazer, nem sua possível significação para mim como objeto sexual...). Ela merecerá meu amor se for de tal modo semelhante a mim, em aspectos importantes, que eu me possa amar nela; merece-lo-á também, se for de tal modo mais perfeita do que eu, que nela possa amar meu ideal de meu próprio eu(self)".

*diz respeito à máxima: "Amarás a teu próximo como a ti mesmo"

Que o amor de Eros seja valioso em sua capacidade de unir pelo laços afetivos de investimento, longo caminho que percorremos em busca da tal felicidade, seja ela aquela que fala de nossos egos individualizados, seja ela aquela que compõe o vasto tecido das relações sociais e da civilização.

Entre a solidão, o desamparo e os vínculos, que possamos construir relações amorosas e de resgate do conceito de Ideal do Ego, onde encontros e afinidades permeiem o que não é sublimável, naquilo que o encontro amoroso tem de sexual propriamente dito e que a partir desse encontro, possamos construir ideais que lancem o mundo na tal fraternidade que Freud aponta em seu texto "Psicologia das Massas e Análise do Ego".

"Solidão que nada..."

Olhar para o modernidade das relações em seus aspectos de progresso e em seus aspectos de resistência à mudança. Que nosso olhar não envelheça e que a psicanálise permaneça transgressora como o velho Freud sempre a sonhou. Que a solidão da qual falam muitos teóricos seja o caminho para construções afetivas mais saudáveis, um rito de passagem. Nascemos sós, e ao mesmo tempo, toda psicologia é em última instância, objetal e fala de relações de vínculos.

Um lençol de amores

Acordar não é de dentro.
Acordar é ter saída.
João Cabral de Melo Neto

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Dia mundial sem carro!


Curtas e médias

*No blog do coletivo DAR há a transcrição da fala de Rodrigo alencar no III Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência e Profissão, é uma reflexão sobre a relação entre guerra às drogas e guerra ao pobres e das possibilidades de articulação de movimentos sociais frente a esta demanda.Vai o link: http://www.coletivodar.wordpress.com
*Mães e Avós da Praça de Maio participam de debate na PUC-SP. Dia 23 de setembro, às 19h30, no auditório 333, será realizado o evento “Memória e Verdade: o direito à denúncia do terrorismo de Estado no espaço público”.
As representantes das Abuelas e das Madres de Plaza de Mayo, de Buenos Aires, Argentina, integrantes do Conselho de Gestão do Parque da Memória e Monumento às Vítimas do Terrorismo do Estado, estarão na PUC-SP para falar de suas lutas pelo direito à denúncia do terrorismo de Estado, perpetrado pelas ditaduras na América Latina, particularmente na Argentina.
* Já começou a SEMANA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS OCUPA A USP! Organizada por diversos centros acadêmicos da USP, a Semana dos Movimentos Sociais tem o objetivo de aproximar diversos movimentos com a universidade e tentar transpor, de alguma maneira, os muros que separam a academia da sociedade, da periferia e daqueles que lutam por outra realidade. os cinco dias de programação, haverá pelo menos duas mesas de debate por dia, além de atividades culturais (flyer em anexo). Os eventos ocorrerão na Prainha da ECA/USP, sob uma lona preta, à tarde e à noite. Participe! Programação completa aqui
* Tempos de política. Essa é da semana passada, mas tá valendo para entender o desespero da tucanagem. Piada o FHC comparar Lula à Mussolini! Confira aqui.

SOSO arte contemporânea africana


segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A arte da metamorfose.

Em alguns casos da própria sobrevivência! Seguir mudando meu povo, não se esqueçam: mu-dan-do.

domingo, 19 de setembro de 2010

A minha nutricionista falou, tá falado!

Por Priscila


Copiei aqui um trechinho do livro da Sonia Hirsch, “Deixa Sair”, para começarmos nosso papo virtual:

A cena se passou num terreiro de umbanda. Corria a sessão normalmente quando alguém veio avisar ao Pai José que tinha uma velhinha passando mal. Pai José mandou trazer a velhinha – uma senhora pequena, magrinha, de seus 70 anos, com cara realmente de estar nas últimas. Sentaram-na numa cadeira. Pai José olhou, mediu, se concentrou, de repente perguntou baixinho pra ela: Suncê peida, filha?

A velhinha, agoniada, olhou em volta pedindo ajuda. Alguém traduziu: Ele quer saber se a senhora solta gases! A velhinha, agoniada que estava, mais ainda ficou.
Pai José pediu então para fazerem um chá bem forte de dente-de-leão, e enquanto isso colocou sua mão direita vibrando em direção à barriga da velhinha. Veio o chá, ela bebeu, e momentos depois soltava uma sonoríssima torrente de puns – e sua expressão foi se aliviando, as cores voltando, e ela começou a sorrir para o Pai José.
Que sorriu de volta e comentou: Tem que peidar, né, filha? Senão, esse gás aí dentro vai fazer suncê sair voando pelo céu antes da hora...

Há muita coisa que a gente põe pra dentro todo dia, depois não deixa sair e ainda reclama: Estou engordando! Meu intestino não funciona! Tenho o colesterol alto! Triglicerídeos! A glicose é alta também! Sinto cólicas menstruais horríveis, pedras nos rins e na vesícula, mau hálito, colite, diverticulite, rinite, sinusite, catarro nos pulmões, corrimento, alergias, suor fedido, ouvido meio surdo, articulações emperradas, cistos, tumores, varizes, ameaças de enfarte, ai, que dor de cabeça!

Curioso. Porque o nosso corpo é feito justamente pra deixar sair, e assim evitar qualquer doença. A gente faz cocô, xixi, sua, arrota, peida, expira, tosse, chora, menstrua, assoa o nariz, tem orgasmo e outras coisas pra se livrar de excessos que, em ficando, perturbam o bom funcionamento físico, mental e espiritual.

Aquela tensão na nuca é um excesso que tem que sair. Aquele ideal vibrando no peito um dia tem que sair. Talentos abandonados e apetites mal satisfeitos acabam virando doença.

Quando não se deixa sair, o final mais provável é o hospital. Por isso é que praticamente todo mundo tem seguro médico-hospitalar, já que pode ficar doente a qualquer momento, e doença é despesa. Só que, como dizia Gandhi, a multiplicidade de hospitais não é sinal de civilização, é sintoma de decadência. Não tem aquele papo de que pra baixo todo santo ajuda? Pois é: pra piorar, tá fácil.

A comida moderna, o stress urbano, a poluição, a crise econômica, a pasteurização cultural, tudo isso são pressões e invasões difíceis de evitar, que acabam fazendo a gente se sentir meio qualquer coisa, vivendo de qualquer jeito.

Mas é possível reagir a isso em outro tom, construindo um mundo interno forte e bem protegido. E também é possível aprender a eliminar os excessos de toxinas físicas e mentais através das cinco atividades essenciais da vida: alimentação, respiração, movimento, pensamento e relacionamento. São práticas simples, baseadas num princípio só, que é o entra-e-sai.

Olho vivo: a saída é a saúde.

ESTÃO VENDO? A qualidade de vida engloba tanta coisa, que muitas vezes deixamos passar desapercebidas....O bem estar é uma trama muito perfeita, o organismo é muito sábio, a cada dia devemos aprender a nos ouvir mais, entender os sinais que nosso corpo nos envia, deixar de se apegar a “picuinhas” que não nos agregam em nada. Pensei nisso hoje cedo, ao acordar, e resolvi compartilhar.

Vamos aprender mais? Leiam em meu blog:

A tal vitamina D: Só se fala nessa deficiência, ta na moda! (rs) - http://www.prisciladiciero.com.br/blog/2010/09/13/a-tal-vitamina-d/

Tratando rinite com auxilio da Nutrição Funcional: http://www.prisciladiciero.com.br/blog/2010/09/15/tratando-rinite-com-auxilio-da-nutricao-funcional/

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Os 30000 de Esparta!


Acabamos de passar dos 30 mil acessos. Paladar de Palavra: direto dos fanzines punk para a tela de seu computador. Mais híbrido impossível! Criando mais problemas do que os resolvendo a gente vai longe!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

olha ela aí outra vez!

Ainda pensando sobre a ausência. Caso me perguntem qual a emoção que melhor conheço não preciso muito tempo para pensar: é o medo. O que me é mais familiar e visceral é o medo. Conheço tanto o meu como conheço o caminho entre o trabalho e minha casa. Ele é tal qual um parente muito próximo que vi crescer. Particularmente por conta de tudo que fiz e deixei de fazer até hoje, ou ainda melhor, por tudo que não pretendia fazer e fiz ou pelo que tanto desejei e não realizei. Levei tempo demais tentando me dar conta disso e hoje espero ser capaz de ir um pouco mais adiante. Sei que esse post esta demasiado pessoal, mas percebo que há de se falar destas coisas também. Acabo de ler um livro lindo do escritor moçambicano Mia Couto intitulado Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, ed. cia. das letras. Várias das frases que andaram aparecendo por aqui recenetemente vieram de lá. Fala ele de retorno, exílio, tradição, pertencimento, mudança e sim, medo, particularmente diante de todas as coisas ditas antes. Atenho-me a apenas uma frase dita lá pelas tantas: só se conhece seu anjo após passar muito tempo com o demônio. Para mim isso tem todo sentido do mundo. Como escrevi inúmeras vezes, partir e ir é muito fácil para mim. E durante muitas despedidas que vivi, quem mais me acompanhou foram meus demônios. Porém nada de dramas! até passei a gostar mais dele porque fui achando o meu anjo um tanto bunda-mule. Esta tudo bem pois sei que foi assim, apenas; e quando tentei permanecer e ficar, ou ainda voltar, já era tarde e não tinha mais demônio nem anjo. Algo completamente diferente do sentido de Sankofa... Pois bem, o livro. Apesar de tratar do tema da tradição e dos costumes, o protagonista da história precisa lidar com sua autonomia e realização de sua própria história naquele contexto. E é nesse lugar que estamos interessados. Quando não nos resta muito o que fazer, as vezes tendemos a repetir, abraçamos mais do mesmo, acreditando na aposta daquilo que nos é familiar. Algo nos diz para ficar ali, esperando por algo mais conveniente, agradável e tranquilo. Vou me dando conta que isso na realidade é muito raro. Acabei de escutar de uma pessoa que vem chegando assim, toda tranquila, linda e cheia de brilho e força, algo que resume parte desse dilema e que certamente encara a ausência de uma maneira bastante particular e digna. Ela me disse, sem dizer a fonte, que o contrário da vida não é a morte, mas a repetição. Falar o que depois disso? Então, estou indo logo, para a beira do penhasco, depois da subida árdua, me preparar para saltar.

sábado, 11 de setembro de 2010

resposta da Sra. ausência

já na tentativa de responder a pergunta anterior.

como se vive uma ausência?

A lua vai devagar, mas assim ela dá a volta no mundo.
provérbio africano

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

fato

A vida é muito curta para ser pequena.
Anônimo

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

apesar do medo, uma mulher para amar

Vida ao Natural

"Pois no Rio tinha um lugar com uma lareira. E quando ela percebeu que, além do frio, chovia nas árvores, não pôde acreditar que tanto lhe fosse dado. O acordo do mundo com aquilo que ela nem sequer sabia que precisava como numa fome. Chovia, chovia. O fogo aceso pisca pra ela e para o homem. Ele, o homem, se ocupa do que ela nem sequer lhe agradece; ele atiça o fogo na lareira, o que não lhe é senão dever de nascimento. E ela - que é sempre inquieta, fazedora de coisas e experimentadora de curiosidades - pois ela nem se lembra de atiçar o fogo: não é seu papel, pois se tem o seu homem pra isso. Não sendo donzela, que o homem então cumpra sua missão. O mais que ela faz é às vezes instigá-lo: "aquela acha", diz-lhe, "aquela ainda não pegou". E ele, um instante antes que ela acabe a frase que o esclareceria, ele por ele mesmo já notara a acha, homem seu que é, e já está atiçando a acha. Não a comando seu, que é a mulher de um homem e que perderia seu estado se lhe desse ordem. A outra mão dele, a livre, está ao alcance dela. Ela sabe, e não a toma. Quer a mão dele, sabe que quer e não a toma. Tem exatamente o que precisa: pode ter.
Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja."

Clarice Lispector, no livro: Melhores Contos

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Contra a mulherzinha!

Isso sim é sinceridade! Entrevista do antropólogo Roberto Albergaria sobre as relações, amor, desejo e o feminino.

domingo, 5 de setembro de 2010

Que vontade de fazer (quase) nada!

Feriado! E dou aqui minha sugestão para ele ficar ainda melhor.

Faça bolhas de sabão gigantes!




Conheça os mapas do metrô do mundo inteiro! O que parece o de Tokyo?


Veja tudo aqui.

Medite!

http://samsara.blog.br/

Falar de sexo com as amigas é sempre bom.


Caminhe.

Pedale.

Caminhe mais.

Na verdade essas coisas não precisam necessariamente pertencer ao feriado.
É melhor que não pertençam!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

2 de setembro de 1977

Oração ao Tempo
Caetano Veloso

És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo...

Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo...

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo...

Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo...

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo...

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo...

O que usaremos prá isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo...

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo...

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo...

Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A camisa do time

Quando terminei de ler o texto abaixo me dei conta que precisava divulgá-lo aqui no Paladar. Acho que são sensibilidades como essa que não permitem alguns sonhos desaparecerem. Uma vez mais, um tema que para alguns é mera banalidade ou que não merece destaque, evidencia a alma e a condição de um povo. Não importa qual camisa toca seu coração, quando estamos diante de condições como essa, simplesmente perdemos todos.

Morre o Moto
Por Luiz Simas de seu Histórias Brasileiras.
Recebi hoje a confirmação de uma notícia lamentável. O Moto Club de São Luís, um dos principais clubes do Maranhão, dono de imensa torcida, encerrou as atividades no futebol profissional neste último dia 27 de agosto. A diretoria do Moto declarou não ter mais condições para manter o time diante das demandas do futebol atual [leia-se: falta grana].

Lamentável, rigorosamente lamentável , mais esse capítulo da transformação do futebol brasileiro em um ramo do big business, da consolidação dos clubes como valhacoutos de escroques travestidos em empresários e da proliferação de jogadores-celebridades desvinculados da história e das tradições dos times.

Morre o Moto no momento em que morrem também as camisas dos clubes, mantos sagrados transformados em vitrines de exposição de toda a sorte de produtos: telefonia celular, pomada de vaca, plano de saúde, leite condensado, funerária, montadora de automóvel, empresa da construção civil e quejandos. Dia chegará em que os escudos serão tirados da camisa para sobrar espaço pra mais um jabazinho e ninguém perceberá.

Morre o Moto em nome da gestão empresarial, da modernização dos estádios, do estatuto do torcedor, dos fabulosos investimentos para a realização da Copa de 2014, dos técnicos com salários de quinhentos mil reais, dos bandidos da bola e dos apóstolos dos gramados e seus moralismos de ocasião.

Morre o Moto como corre o risco de desaparecer a tradição do tambor de crioula do Maranhão. Nas palavras de um velho tambozeiro que conheci em Alcântara, os lugares onde se podia escutar o tambor são agora destinados ao reggae, para a alegria de antropólogos moderninhos e antenados que vêem em qualquer mistureba uma prova de vitalidade cultural. Viva o moderno e que se dane o eterno, goza o deus mercado.

Morre o Moto como pode morrer a Casa das Minas, venerável matriz da religiosidade afro-maranhense. As moças mais novas, dizem as velhas do tambor, não se interessam mais pelo legado de voduns e encantados e não há mais tempo disponível para o longo aprendizado do mistério demandado pelo Tempo maior.

E alguém, por acaso, sugere o que deve fazer o torcedor do Moto? Escolhe outro clube, com a naturalidade de quem muda de roupa e troca um objeto quebrado pelo novo? E os senhores de setenta e poucos anos que viram e viraram Moto durante a conquista do título da Copa Norte-Nordeste de 1947 e do Torneio Campeão dos Campeões do Norte em 1948?

E a nova geração - os netos dos fundadores e torcedores do velho Moto Club, o Papão do Norte, Rubro-Negro da Fabril - torcerá para quem? É simples. Os moleques torcerão, evidentemente, pela Inter de Milão, Barcelona ou Milan. Viva a globalização! Ou, na melhor das hipóteses e como é comum ocorrer, pelos clubes grandes do sul maravilha. Mas, ai deles, não terão o pertencimento que só o clube da aldeia é capaz de proporcionar.

O velho torcedor, e como é duro constatar isso, está morrendo. Em seu lugar surge o cliente dos tempos do futebol-empresa. Somos agora, os que queremos apenas torcer pelo time, tratados como clientes nos estádios, consumidores em potencial de jogos, pacotes televisivos, produtos com a marca da patrocinadora e outros balacobacos.

Morre o Moto como morre a aldeia, a terra, a comida da terra, a várzea, a esquina e o canto de cada canto. Morre o Moto como amanhã dançará, no corpo da última sacerdotisa do Tambor de Mina, o derradeiro encantado em pedra, flor, areia e vento da praia do Lençol.

Morre o Moto como morrerá, em alguma madrugada grande, o último tocador do tambor de crioula e com ele a arte de evocar no couro a memória dos mortos. Ninguém saberá como bater o tambor que convida os ancestrais a bailar entre os vivos. Seremos apenas - e cada vez mais - homens provisórios, desprovidos da permanência que só a ancestralidade e a comunidade garantem.

Morre o Moto enquanto se desencanta o mundo.

espera.

O bom do caminho é haver volta.
Para ida sem vinda basta o tempo.

Curozero Muando