quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Eu sai cedo de casa

Estava exitando se deveria escrever isso mesmo. Que mal pode haver? 1 ano longe de "casa".
1 ano distante de muitas coisas. Nao sei bem sobre o que poderia dizer a esse respeito. Descrever lugares e pessoas que vi e conheci apenas demandaria tempo, mas o que preciso dizer eh diferente. Talvez tenha haver com estados da alma e condicoes do coracao que foram mudando no decorrer desse tempo.
Pensei que com o tempo a saudade fosse se acomodando, calando um pouco, ocupando menos espaco. Impossivel! E tenho certeza que nunca sera menor. Ela vai se alastrando como fogo no campo seco. Vai se desdobrando em sabores e cores nunca antes imaginadas. As vezes alguem me pergunta como eh ir para tao longe e andar por lugares tao diferentes. Dizem que um dia farao algo assim, ou que gostariam muito, mas nao podem. Pensam que o mais dificil esta na partida. Adimito que ir nao eh algo simples, mas nao eh metade do que pode aparecer depois. Com o tempo o que parece ser dificil mesmo eh voltar.
Houveram momentos que achei estar indo longe demais. Que o caminho estava se extendendo a tal ponto que iria perder o rumo, e como voces bem ja ouviram, para quem nao sabe onde ir, qualquer caminho serve. Entretanto isso nao parece ser o caso. No meio do caminho voce precisa de um certo desencanto. Voce precisa aceitar isso e precisa tambem a aprender a conviver com isso. Nao um desencantamento cheio de desespero, mas com solitude e alegria. Sozinho sim, porque muitas e muitas vezes nao havera ninguem para te ouvir. As pessoas de outros lugares nao podem entender o que eh saudade da SUA familia, dos SEUS amigos, do pao na chapa na padaria da esquina, do pastel com caldo de cana, do acai na tigela, da cerveja em alguma calcada do centro, da gente que se abraca e beija o tempo todo, do axe no terreiro, do samba, da vadiacao, do samba, e do samba!
Quando voce caminha pra bem longe do habitual voce tem que estranhar mais. Ser estrangeiro eh algo rapido e que nao demanda tempo.Voce apenas chega no lugar e observa, conversa, tenta entender. E alguem ja disse que a estrada ama o caminhante, ajuda, acolhe e protege o tanto que pode, mas voce precisa saber disso, tem que aceitar isso. As vezes vai precisar chorar. Eu ainda nao chorei o suficiente e quando, e se acontecer, sera a certeza de voltar. Ou terei que aprender outras coisas. Apesar de nao fazer muito isso (ainda!) a vontade eh o que nao me falta... Chorar de saudade. Nao como uma crianca, mas como alguem longe de muitas coisas que fazem viver melhor. As vezes eu quero chorar pela miseria do mundo. Chorar pelas guerras, pelos refugiados, pelos imigrantes. Pessoas obrigadas a partirem por razoes politicas, religiosas ou economicas, nao importa. Chorar pela pobreza excessiva. Chorar pela riqueza material de uns poucos, assim como pela sua miseria espiritual. Chorar pela falta de uma cama. Por coisas simples e fundamentais. Chorar pela falta de arte. Chorar com aqueles que perderam pessoas e coisas importantes enquanto atravessavam alguma fronteira, um deserto, um mar. Chorar pela desesperanca e pela apatia. Chorar por ainda existirem tantos exercitos e prisoes. Chorar por ainda existirem Estados, igrejas e templos de mentira. Chorar mais pelas fronteiras e nacoes. Chorar por fazer sofrer quem apenas tentou me amar. Chorar por minha vaidade e minha prepotencia. Chorar pelas mentiras que contei a mim mesmo. Chorar pelo sangue e pelo suor derramado sem necessidade. Acho que por isso precisamos saber desencantar. E isso eh diferente de continuar a sonhar. Sonhar o impossivel eh bom! As vezes nao entendo como tantas pessoas podem continuar a viver sem sonhar. Apesar de tanta dor esse mundo tem um valor estranho e especial.
Nossa vida esta repleta de momentos para aprender o bom combate. Sabe essa coisa de nao desistir? De lutar mesmo sabendo que nao ha muita chance de vitoria? E ai eh que esta! Ja leu "O Velho e o mar", ou "Musashi" ou "Q - o cacador de hereges"? Tem que ler! Historias contadas sobre pessoas queprecisaram ir. Sao tempos de luta. Pude encontrar criaturas assim, que inspiram, que sonham. Quando voce passa tanto tempo longe de casa aprende a viver melhor o tempo de hoje. Descobre que apesar das voltas que o mundo da, o que vale mesmo eh o seu tempo presente.Vai experimentando a impermanencia de todas as coisas.Vai descobrindo mesmo que o que conta sao suas atitudes, muito mais que suas intencoes. Ta bom, sabemos disso, mas eh outra coisa sentir isso indo fundo na alma! Ja me disseram que estou um pouco mais velho, com uma certa tristeza, mas mesmo assim eu tive sorte. Sorte por poder subir o Monte Fuji e ver o sol nascer dos seus mais de 3300 metros. Por sentar e meditar com budistas, muculmanos, cristaos, judeus e xamas dos quatro cantos do mundo. Muita sorte por amigos ingleses, alemaes, estadunidenses, franceses e italianos lutarem contra fronteiras. Feliz por beber uma cerveja com velhos e jovens anarquistas em Barcelona e Madrid. Muita sorte pelo jazz de New York, pela rumba da catalunya, pelo taiko japones, pela musica cigana do leste europeu, pelo folk canadense e pelos tambores indigenas do norte dos Estados Unidos. Feliz pela comida da Etiopia, India e Tailandia. Coisas que me fizeram crescer.
Apesar do esforco e da dor inevitavel no crescimento tem uma coisa que nao da para nao considerar: voce passa a contar mais consigo mesmo.Quando somos demasiado jovens ficamos tristes por ver que poucas pessoas a nossa volta sao capazes de nos entender e aceitar. Quando crescemos (e isso nada tem haver com a idade cronologica) nos damos conta que ainda sao poucas as pessoas que nos entendem e aceitam, mas voce nao se importa mais tanto com isso. Sei que o melhor a fazer eh lidar com isso sozinho e descobri que meus amigos pra vale vao me desculpar sempre que necessario e me ajudar. Familia eh mais que laco sanguinio, eh como dizem muitas vezes los chicanos, sobre la raza!
Temos mesmo que tentar nao julgar os outros pelas suas acoes. Podemos nao saber de toda historia. Justica eh algo dificil. Como disse, diminuir o espaco que separa nossas intencoes de nossos atos. Isso hoje para mim nao eh um dever, mas uma chance para algo melhor. Muitos Mestres ainda me acompanham. A integridade de meus pais, a humildade e paciencia de meu mestre angoleiro Plinio, a sabedoria de minha avo, a inteligencia de meu ex-orientador e amigo Ciampa, assim como os amigos da Puc, o ritmo de meus irmaos e irmas angoleiros, a nao-violencia dos parceiros da Palas, o povo do samba e de santo, a rebeliao e a luta ativista, a anarquia, a macumba, Dhamma, os amores do passado, o amor do presente, mulheres, homens e criancas que me mostraram algo importante sem se daram conta disso.
Entao, um brinde a vida amig@s! Nao sei mais o que poderia oferecer e dizer. Nos encontramos em breve, afinal a relatividade do tempo eh enorme. Obrigado. Que haja paz! Que haja felicidade! Salud! Ale

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