quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Carta de repúdio ao programa exibido pela TV Record no Domingo Espetacular no dia 07 de novembro de 2010

Nós, mulheres indígenas reunidas no Encontro Nacional de Mulheres Indígenas para a proteção e Promoção dos seus Direitos na cidade de Cuiabá, entre os dias 17 e 19 de novembro de 2010, vimos manifestar nosso repúdio e indignação contra reportagem produzida pela ONG religiosa ATINI, exibida no dia 07 de novembro de 2010 em rede nacional e internacional. No Programa do Domingo Espetacular, da emissora RECORD, foram mostradas cenas de simulação de enterro de crianças indígenas em aldeias dos estado de Mato Grosso (Xingu), Mato Grosso do Sul (Kaiowá Guarani) e no sul do Amazonas (Zuruaha), pelos fatos e motivos a seguir aduzidos:
1. A malfadada reportagem coloca os povos indígenas como coletividades que agridem, ameaçam e matam suas crianças sem o mínimo de piedade e sem o senso de humanidade.
2. Na aludida reportagem aparecem indígenas atores adultos e crianças na maior “selvageria” enterrando crianças.
3. A reportagem quer demonstrar que essas ações nocivas aos direitos à vida das crianças indígenas são praticas rotineiras nas comunidades, ou de outra forma, são praticas culturalmente admitidas pelos povos indígenas brasileiros.
4. Que os produtores do “filme” desconhecem e por tanto não respeitam a realidade e costumes dos indígenas brasileiros. São “produtores Hollywoodianos”.
Vale esclarecer em primeiro lugar que a reportagem não preocupou em dizer que no Brasil existem mais de 225 povos ou etnias diferenciadas em seus usos, costumes, línguas, crenças e tradições. Essa reportagem negou aos brasileiros o direito ao conhecimento de que na década de 1970 a população indígena não chegava a duzentas mil pessoas ao ponto de antropólogos dizerem que no século XX os indígenas iriam acabar.
Se de fato os indígenas estivessem matando suas crianças, a população indígena estaria diminuindo, mas a realidade é outra, pois a população naquele momento em decréscimo hoje chega ao patamar de 735 mil pessoas, segundo censo de 2000 do IBGE.
A reportagem que mostra apenas uma versão das informações, não entrevista indígenas nem antropólogos que conhecem a realidade da vida na comunidade, pois senão iriam ver que crianças indígenas não vivem em creches nem na mendicância. Crianças indígenas são tratadas com respeito, dignidade e na mais ampla liberdade.
A reportagem maldosa e preconceituosa feriu intensamente os direitos indígenas nacional e internacionalmente reconhecidos, pois colocar povos indígenas e suas comunidades como homicidas de crianças é o mesmo que dizer que certas religiões praticam seus rituais matando suas crianças ou que a população brasileira em geral abandona suas crianças em creches, nas drogas e na mendicância se sem com elas se importarem. Mais, seria dizer que pais de classes médias altas jogam dos prédios suas crianças matando-as e que é comum famílias brasileiras em geral jogas seus filhos recém nascidos no lixões das grandes cidades, ou que os lideres religiosos são todos pedófilos.
Quais são as verdades dos fatos por trás das notícias caluniosas e difamatórias contras os povos indígenas.
Não seriam razões escusas de jogar a população brasileira contra os povos indígenas para buscar aprovação pelo Congresso Nacional brasileiro de leis nefastas aos povos indígenas? Ao dizer que os indígenas não têm condições de cuidar de seus filhos automaticamente estará retirando dos indígenas a autonomia em criar seus filhos, facilitando assim a intervenção do Estado para retirar crianças do convívio familiar indígena entregando-as a adoção principalmente por famílias estrangeiras. Na reportagem, o padrão de sociedade ideal é o povo americano, pois demonstrou que a criança retirada da comunidade agora vive nos Estados Unidos da América e até já fala inglês. Sociedade justa, moderna bem-feitora. Seria mesmo a “América” o modelo padrão de sociedade justa apresentado na reportagem? Vale esclarecer que a ONG religiosa ATINI e sua produtora de Hollywood têm sua sede nos Estados Unidos.

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Anta que Virou Elefante num Domingo Espetacular

Texto de autoria do professor José Ribamar Bessa Freire, coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ) e editor do site-blog Taqui Pra Ti, publicado na coluna de publicação aberta do CMI.

A segunda-feira da índia Rosi Waikhon na periferia de Manaus foi um dia de cão. Escapou, por pouco, de ser apedrejada. Ao sair de casa, várias pessoas lhe atiraram na cara frases do tipo: "Ei, índia, você não é gente, índio mata o próprio filho, vocês deviam morrer". Minha amiga há muito tempo, ela me confidenciou: "Meu dia virou um terror, em todos esses anos, nunca tinha ouvido palavras tão pesadas e racistas".

Quem humilhou Rosi estava indignado, porque no dia anterior havia presenciado o 'assassinato' de crianças indígenas, cometido pelos próprios pais, que praticam o 'infanticídio', tudo isso exibido no programa Domingo Espetacular da TV Record. Felizmente, como nos filmes americanos, chega a cavalaria para salvar vidas ameaçadas por índios bárbaros. A missionária evangélica Márcia Suzuki, cavalgando a emissora do Edir Macedo - tololoc, tololoc - leva os bebês arrancados das garras dos 'criminosos' para a chácara da igreja neopentecostal. Enfim, salvos.

Leia na íntegra.

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