quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Que a terra lhe seja leve.

Morreram dois anarquistas

[Faleceu na última sexta-feira (20/08), em São Paulo, o ator e militante anarquista Francisco Cuberos Neto (18-02-1924/20-08-2010), conhecido em teatro e TV como Cuberos Neto. Seu corpo foi cremado neste sábado, como era o seu desejo. Também morreu nesta sexta-feira a veterana anarquista Nair Lazarine Dall’Oca (23-04-1923/20-08-2010), em Santos, litoral paulista.]

Militante anarquista desde a mocidade, Chico Cuberos, ou simplesmente Chico, como era carinhosamente chamado pelos companheiros de ideal libertário, durante décadas fez parte do Centro de Cultura Social de São Paulo, ao lado de seu irmão Jaime Cubero e tantos outros companheiros. No CCS Cuberos dirigiu ao lado de Pedro Catallo o "Laboratório de Ensaio", que nos anos 60 produziu muitas peças políticas de fundo libertário. Por essa época, Cuberos participava também de outra associação libertária, a Sociedade Amigos de Nossa Chácara. Por divergências internas, desligou-se do CCS nos últimos anos, mas manteve sua militância anarquista.

Ator com extensa carreira no teatro e televisão, Cuberos neto começou profissionalmente no Teatro Brasileiro de Comédia, trabalhando ao lado de grandes diretores, como Flávio Rangel e Ademar Guerra, tendo também participado de filmes e novelas na extinta TV Tupi.

Casado com a espanhola Maria ("Maruja"), deixa um casal de filhos, Thalia e Parmênides.

Alberto Centurião

Eu, Ator E Anarquista

Através do teatro libertário, cheguei ao anarquismo. Ao tanger, compreender e sentir a mais elevada concepção de vida social e humana que as utopias projetaram, compreendi e senti quão nobre, generosa e emancipadora é a missão do ator.

Todas as injustiças, todas as misérias da sociedade em que vivemos com seus privilégios e ambições de poder, todas as paixões que emergem da intensa gama de contradições que refletem o comportamento e a psicologia humana, desfilam pelos textos representados no teatro. Esta complexa realidade é assumida pelo ator que, através de suas personagens e de suas interpretações, passa para o público mensagem que pode ser transformadora quando desperta uma centelha de revolta, que consola quando transmite um sentimento de solidariedade, de esperança e de bondade, que pode provocar o riso e a alegria mas que terá sempre uma perspectiva política.

Para mim o teatro tem uma essência libertária e o ator, mesmo sem uma adesão racional é, em certo sentido, anarquista. O ator tem que compreender e sentir a realidade em que vive e será mais livre, na medida em que suas decisões forem pessoais. Isso dependerá de seu desenvolvimento intelectual e afetivo e do fortalecimento de sua vontade, será o resultado de todo um processo educativo, político, físico, intelectual, afetivo e volitivo. Sua liberdade é relativizada pela convivência e interação com os outros. Ser livre não é fazer tudo o que ser quer, mas querer tudo o que se faz.

Ao adotar um padrão de valores onde todos os interesses se subordinam a princípios éticos e a liberdade fundamental, a solidariedade, constituindo-se em premissa básica para o desenvolvimento do potencial criativo do ser humano (um dos aspectos mais gratificantes da vida), me posiciono contra as instituições opressoras. Sou contra o Estado e os organismos que o sustentam com todas as suas imposições: o voto obrigatório, o serviço militar obrigatório e as mil sujeições obrigatórias. Sou contra todas as castrações, limitações e restrições que anulam a personalidade humana. Como anarquista, sou contra os organismos que sustentam e reproduzem um sistema de exploração e opressão do homem: partidos políticos, com a imbecilidade caricata de seus profissionais; instituições militares, policiais, judiciais, educacionais e religiosas a serviço de um sistema que corrompe e ofende a dignidade humana. Como ator, penso no teatro como um agente de transformação e não reprodutor de uma sociedade dirigida contra as mais legítimas aspirações do homem. Penso na mensagem poderosa que o teatro sempre transmitiu, na consciência crítica que o forma, através da história, desde a Grécia até a modernidade. Penso em Ésquilo, Sófocles e Eurípedes; Shakespeare, Moliére e Ibsen; Tchekhov, Brecht, Lorca e tantos outros que refletiram os conflitos humanos de suas épocas, com tragédias, dramas, comédias, mas também transmitiram o universal da existência humana. O ator foi sempre o porta-voz da mensagem, dando significado a seu texto, na medida da consciência de sua realidade e de sua perspectiva futura.

Para mim, ator e anarquista, a maior gratificação, a grande recompensa de cada instante de minha existência é o júbilo que a busca permanente das possibilidades humanas proporciona. A limpidez da alma na busca da superação, transmitindo o otimismo de um peregrino do ideal, de um militante da alegria, contente de viver, de estar no meio da procela, porque ainda há muito amor entre os homens.

Cuberos Neto

fonte: agência de notícias anarquistas-ana

Um comentário:

Rodrigo disse...

Vi hoje a nota de falecimento em um jornal de grande circulação. Apesar da morte ser um processo iminente, dá tristeza ver essas figuras partindo.

Abraços.