domingo, 25 de abril de 2010

Autonomia

Por Amauri Ferreira
(chegou aqui graças a Ju)

Testemunhamos uma concorrência insana entre os indivíduos que foram educados a seguirem rigorosamente as obrigações que são consideradas “boas” - não por eles, certamente, mas pela sociedade em que vivem. Cada um deseja passar por cima dos seus concorrentes, fazer trapaças, chegar rapidamente aos objetivos já dados de fora: tudo para se sentirem orgulhosos de ser apenas peças de uma máquina que é, na verdade, destruidora deles mesmos. Como estão impossibilitados de caminhar com as suas próprias pernas, fogem de quem pode ensinar-lhes a conquistar a vida autônoma. Sua covardia torna-se evidente quando sentem que o “bem” moral que se submetem, mesmo sendo contrário à natureza deles, deve ser conservado por meio de uma luta diária contra os seus instintos. Enquanto estão incapacitados de inventar para si próprios o seu bem, desperdiçam o tempo que seria fundamental para se libertarem do ritmo doentio que é imposto pela organização tirânica da vida humana. Mas existem indivíduos que desejam encontrar os seus mestres, que desejam inventar o seu próprio bem, que desejam lutar pelo seu próprio destino. Nesse processo de evolução, eles deixam de pertencer à imagem habitual que se faz dos homens; tornam-se cada vez menos familiares, passam a ser estranhos, maravilhosamente estranhos, começa a brilhar neles alguma “loucura” que faz distinguirem-se dos indivíduos “normais” e domesticados. Quem se liga a eles, percebe, com o passar do tempo, que existe a incapacidade de nomeá-los, de tentar definir o que, na verdade, não pára de escapar, de mudar, de ser inventado. O indivíduo autônomo escapa das garras do poder porque é produtor de si próprio, pois, ao se alimentar do fluxo do real, faz os seus disfarces se multiplicarem cada vez mais. Sua multiplicidade de estilos, de vozes, de gestos, esse ator encarnado, exprime a força da vida que, finalmente, no meio de tanto ódio ao seu redor, tornou-se madura, feliz, capaz de dar frutos, de ensinar aos outros a amar cada momento vivido. Mais do que nunca, a nossa época precisa de indivíduos assim, mesmo que os que servem aos interesses das instituições continuem a ser esforçar para que eles não existam.

2 comentários:

Jú Pacheco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
untitled disse...

Lindo texto! Ele me lembrou Oscar Wilde.

Loucos e Santos

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.