domingo, 18 de janeiro de 2009

Um projeto que se anuncia

Em diferentes momentos nos últimos dois anos escrevi sobre lugares e pessoas que encontrei. Esse espaço foi chamado de superação de fronteiras. Estive viajando e essa jornada me levou a exatos oito países e em alguns deles mais de uma vez. Estou falando a respeito por tomar uma decisão diante disso tudo. Voltei ao Brasil no mês de setembro e é impressionante como me parece tão menos. Às vezes sinto que foram apenas semanas e raramente me dou conta de como já estou entrando no quarto mês de meu retorno. Talvez tenha a ver com o fato de ainda contar muitas histórias daquilo que passei. Re-contar, re-lembrar, re-viver. Não sei... Os encontros com amigos não terminaram e sempre retomo lembranças do que passei nesses meses. Eis que num espaço bastante peculiar vou me dando conta da importância de algumas coisas. Pensar em voltar – devo confessar – sempre me foi um assunto caro. Durante muito tempo da minha vida, se não pelos meus 31 anos, a partida se fez presente. Não sei até onde isso é importante, mas acabei desenvolvendo uma curiosa capacidade de ir embora dos lugares. Isso é um pouco diferente na relação com as pessoas, mas quanto aos locais creio que o destemor é aquilo que mais se faz presente. Dei-me conta que não há um lugar nesse mundo que não possa ir, que me apavore ou que me pareça impossível de chegar. O que me custa realmente é o retorno. Quando escuto alguém falando que adoraria ir para lugares novos ou distantes, sempre me surpreendo com a sensação disso ser tão simples na minha vida, enquanto na delas aparenta ser o contrário. Uma querida amiga me falou certa vez sobre isso e como para ela voltar é muito tranqüilo, particularmente porque muitas vezes sua estadia nesses lugares outros não foi “lá essas coisas” e o retorno é sempre muito desejado. Concordo com ela, principalmente por entender o que ela definiu naquele momento como difícil, porém existe uma condição em mim que nunca me trouxe esse tipo de calma. Não sei explicar o que seria exatamente, mas talvez seja a condição nômade de algumas pessoas. Quem sabe um devir estrangeiro que não pode parar. Um estado de busca e inquietação que não silencia. Algumas pessoas carregam isso por longo tempo, e pude particularmente nesse momento, encontrar algumas delas nesse mesmo caminho. Existiram situações que celebramos esses encontros por saber que há mais semelhanças nessa vida do que imaginamos. Como assim? Penso que parte da dificuldade de muitas pessoas partirem é por se darem conta de algum modo, que estarão muito tempo sozinhas. A solitude é quase uma condição para quem se lança nessa imensidão. Não há nada de mal nisso, fique claro que são escolhas, e as vezes, apenas a simples aceitação dessa condição. Não se trata de abandono, desprezo, ausência ou mesmo algum tipo de tristeza. O fato de estar sozinho por longas jornadas pode produzir muitas outras coisas que com o tempo são difíceis de lidar. Ainda assim raramente produz arrependimento na tomada dessa decisão. Estou convencido que as pessoas em sua grande maioria precisam de um tempo a sós. Deveriam experimentar o silêncio, o vazio que cala na alma, evitar tantas distrações para escapar do abandono e incompreensão que dizem sentir tanto. O alívio de alguns desses elementos não reside na negação, mas em seu oposto. Que fique isso para depois. O que gostaria de compartilhar aqui é que decidi escrever sobre esse tempo distante. Não tenho a pretensão de vir a ser um escritor, até porque me falta um tanto de competência para tal, entretanto me dou o direito do uso da palavra para contar sobre partir, sobre a alegria simples do inédito e sobre poder e saber voltar. Escrever sobre se deslocar em culturas distintas, sobre encontros que potencializam e da urgência de se abandonar aqueles que nos fragilizam. Falar dos dias no deserto, das águas que precisam ser atravessadas, da montanha mais linda que vi. Dizer sobre amizade, relacionamento e liberdade. Expressar a superação do ressentimento, da dor de dormir na rua quando não é isso que se quer, de chorar na calçada por não encontrar o caminho de casa. Lembrar dos telefonemas e mensagens que consolam e alimentam. Não esquecer a gratidão e o perdão. Falar da vida e da vontade de amar. E falar de poder, e mais ainda, de saber voltar. Pensar a hora em que nos damos conta que nunca é tarde para voltar e pegar o que ficou para trás. Espero ser capaz de concluir isso, afinal não sei bem quanto tempo vai levar. Para mim, a esperança de entender um pouquinho mais daquilo que é. Foi tempo demais caminhando para saber o que não sou. Dizem que escrever e contar uma história é assim mesmo – e é até bom que seja - a gente nunca tem certeza onde vai dar.

3 comentários:

cidinha da silva disse...

Oi Alê, bom dia!
João cabral dizia que as viagens eram uma forma dele encontrar a si mesmo, os lugares tinham lá seu encanto, mas o que valia mesmo eram os lugares desbravados dentro do homem João Cabral. As viagens foram uma contingência na vida de diplomata que levou, parece que num certo momento da sua vida também, quando criança e adolescente. Eu fico pensando que a experiência da solitude pode ser vivida intensamente, com mais ou menos sanidade, sem "sair do lugar", sem viajar, pelo menos. E nisso discordo de ti. Adorarei saber mais das suas reflexões de caminhante em delírio, pois quando passaste por aqui, falamos mais sobre nossas vidas naquele presente.

um beijo saudoso,
Cidinha

Anônimo disse...

"Escrever sobre se deslocar em culturas distintas, sobre encontros que potencializam e da urgência de abandonar aqueles que nos fragilizam."

Que bonito isso! rs...

Eu acho o máximo você querendo exercitar a palavra... e fico com vontade de ler mais!!

E é o Foucault que diz algo que vale tanto para a escrita (de um livro, no caso) quanto para vida: se a gente soubesse como vai terminar, nunca começaria. E isso me faz lembrar o Riobaldo quando ele diz sobre a travessia a nado de um rio... começamos numa borda, mirando um ponto de chegada, mas nunca sabemos exatamente 'donde' na outra margem iremos chegar... ficamos mais ocupados com o percurso do que com o ponto final.

Enfim, eu só queria dizer: bom (re)começo!! Na vida e na escrita!!!

(Ju)

Fê Lopes disse...

Quando morei miseros 3 meses na Inglaterra - e morei, pq morar eh estado de espirito, e nao se quantifica no tempo - lembro da descoberta de q voltar eh mto mais complexo do q ir. Sobretudo quando vc sabe q ira retornar. A minha sensacao era q, tanta coisa aconteceu dentro de mim, e o mundo aqui continuava igual.
Enfim, devaneios... so pra compartilhar mesmo, pq deu vontade. E pra contar que, mais do que a terapia, na epoca, o q foi me permitindo aterrizar em solo brasileiro - pq assim como morar, tb acho q chegar eh algo q se constroi e as vezes leva tempo - foi escrever mto, mto, mto, mto sobre o tempo la, escrever em ingles, escrever, escrever e escrever...!
Ser nomade daria um post, um conto, ou mesmo, um ponto de partida pra estas escritas. Talvez uma escrita de alguem nomade nao tenha ponto de partida, nao sei tb...
chega
bjs
adorei o texto