sexta-feira, 23 de julho de 2010

Diz o dito popular...

A fofoca não serve para consertar nada –

pois nunca acerta a pessoa certa na hora certa.

J. Gaiarsa

Estava com minha irmã dia desses bebendo uma cerveja num samba. Riamos e celebravamos os encantos da batucada e dos sorrisos ao nosso redor. Eis que surge um sujeito, a cumprimenta rapidamente e passa batido. Nada de mais, até que ele se atraca em um grande e demorado beijo com uma mocinha em um dos cantos. Minha irmã solta uma grande exclamação: “Mais que filho da puta! O canalha alí que acabou de falar comigo é o namorido de minha colega de consultório. Caralho! A menina tá em casa e o sacana aqui se agarrando com as outras. Vou ter que falar pra ela semana que vem que vi isso”. Sem entender muito bem o que passava perguntei sobre o cara e sobre a tal amiga e se ela sabia como era a relação que eles tinham. Então perguntei por que ela iria falar isso. Com qual finalidade ela ia dizer para a tal colega que viu o cara dando uns beijos na outra?! Ela então me respondeu que se não fizesse isso, e depois a tal colega soubesse que ela tinha visto a cena e não comentado, provavelmente ela é quem ficaria mal com a menina. Seguimos a conversa e na minha cabeça apenas a idéia de que aquilo não era problema dela, que falar ou não falar não caberia a ela, afinal, qual a necessidade disso, o que ela sabia daquela relação, o que sabia sobre os acordos do casal, sobre seus desencontros? Sim povo, eu não contaria. Fico pensando nos modos de entender o lugar do DEVER e do DIREITO sobre certos temas e situações que nos pegam sem avisar. Minha irmã encarou o fato como dever, uma obrigação com a tal fulana por saber de algo que provavelmente ela não estava sabendo, mas lhe dizia respeito. Ficou impactada por um certo dever moral de dizer o que tinha visto, pois alguém estava sendo sacaneado (?). Parece compreensível, certo? O lugar do suposto dever... Então, parece, mas não sei mesmo, tipo efeito denorex. Eu não contaria porque além de não ter respostas para as questões que fiz a minha irmãzinha, existe a possibilidade de não ser o que estou pensando, logo, se decido contar o que vejo tomo por verdadeiro o que meus olhos viram. E não estou bem certo se aquilo que vejo é o que é. O cara beijando outra é o que é, e ponto. O que não estou bem certo em fazer e pensar é ser meu direito criar valores para o que provavelmente não conheço plenamente, como por exempo a relação que eles tem. E estou convencido que só existe uma relação que conhecemos de fato: a nossa. E olhe lá, pois as vezes nem essa! Apenas o que vivemos nos cabe avaliar com algum discernimento. Tomar partido é mais do que delicado, é uma parcialidade perigosa. Ninguém conta uma história como de fato foi. Não precisamos inventar nada, apenas omitir ou exagerar um dos aspectos já cria certo descompasso. Agora há um paradoxo. Quando minha irmã pensa no dever de contar isso a sua colega, começa a se sentir no direito de fazê-lo porque imaginar ser afetada por isso. Esse é o problema. Elas nunca falaram sobre o assunto, mas de algum modo seu pacto social feminino lhe dá o direito de falar sobre a ação do outro. Ela simplesmente não cogitou, por exemplo, a possibilidade de sua colega não querer saber isso! Ela partiu do principio de que se a situação fosse contrária não esperaria nada diferente da moça. Mulheres do mundo, uni-vos! Alimentasse a idéia de que “somos nós contra eles”. Pois vejamos o caso de outro lugar. Não importa se é um homem ou uma mulher sacaneando o outro, certo? Para minha irmã é isso mesmo, ela supostamente está lutando contra a sacanagem da traição. Tenho dúvida. Quando vamos imaginando os desdobramentos possíveis dos muitos modos de ficar com alguém fora do contrato da relação, nos deparamos com o seguinte fato: por que homens não se caguetam assim? Eu já ouvi muitas respostas, mas geralmente o concenso é de que o pacto social masculino simplesmente acoberta o mesmo gênero por que um dia pode ser ele pulando a cerca e nossa cumplicidade canalha vai falar mais alta. Porra! Fico com a nítida impressão que assim não escapa ninguém. Será que simplesmente não podemos pensar que aquilo não é da nossa conta? O que fazer com a merda da fofoca, da inveja e do cinismo? Claro que homens são também fofoqueiros, invejosos e cínicos, porém, para o bem e para o mal, há essa condição social que possibilita um trânsito mais folgado para o masculino do que para o feminino. Realmente me impressiona a quantidade de vezes que vejo a mulher sendo a porta-voz das infidelidades alheias e das fofocas de quem saiu com quem, etc. Mas não cometamos o erro sobre isso ser um problema desse ou daquele gênero, apesar de haver sim algumas diferenças. O que dizer de ex-namorad@s e ex-marid@s?! Já presenciei muitas vezes a pessoa falando em alto e bom tom que não lhe interessa saber o que o fulano fez por aí, ou mais aburdo ainda, se o “ex” está fazendo isso ou aquilo. A criatura segue adiante com seu discurso sobre a sinceridade e a “preocupação” mesmo quando lhe foi pedido para parar! Fofoca sobre o “ex” não há moralidade que resista. E não posso mesmo imaginar alguém falando do “ex” de alguém sem isso ser uma fofoca. A fofoca é mesmo uma merda! Serve apenas para classificar o inclassificável. Para dar nomes e opiniões que não se conhece passando a ser pura arrogância. Para simplificar respostas e afastar incertezas revelando que os interessados pela fofoca são aqueles que levam uma vida tediosa e mediocre. A fofoca é a mais lídima expressão da burrice social, disse Gaiarsa. Concordo. Quando as pessoas estavam juntas, ou no final do relacionamento, seus tempos e ritmos foram extremamente delicados, e o que dizer agora que não convivem mais? Deveria haver um decreto proibindo falarem de qualquer “ex”! Em minhas últimas relações falei claramente que se fosse “traído” não me interessava saber. Isso é problema de quem faz! Fez porque precisava, teve vontade, acreditava, sei lá, mas não me interessa! Vá pra terapia discutir isso. Telefone pros amigos e encha a cara no boteco. Vai visitar a mãe, mas não me conta. Tá culpada? Pula da ponte! Claro que isso trouxe vários problemas, mas o fato é que parto do princípio de que não sei o que pensa a pessoa e nem como de verdade é essa relação que minha irmã acha saber conhecer. Simples assim. E quando a pessoa pergunta, você pode dizer, para quem a “traiu” e essa não lhe diz a verdade? O que é mentir? Por que meia-verdade? Então a conversa é outra e vai ficar para depois. E teve naquela noite um clássico que o Geraldo Filme cantou que diz : Vá cuidar da sua vida Diz o dito popular Quem cuida da vida alheia Da sua não pode cuidar... E como terminou a história com minha irmã e sua colega? Ela contou sim e ouviu o seguinte: “ah, eu imaginava, mas não se preocupa com isso não. É problema meu!”. Então o que fazer para não ficar nessa saia justa? A de se combater! Minha irmã não fez isso por simples maldade. Pensar assim seria cair no reducionismo de que há pessoas boas e más. Ela como todos nós estamos permeados de valores contraditórios, de sentimentos não muito nobres, de vontades menores e de uma educação sufocante e castradora. Temos que enfrentar sem medo essa condição. Barrar com palavras e ações que a fofoca se espalhe, apagar o incêndio que ela provoca. Desonesto é falar e criticar alguém que não está presente. Observar mais, reagir menos e se não vai ajudar e contribuir, silenciar. É como ter que responder uma pergunta que não se faz. Quando alguém perguntar algo que você não quer responder, não se sinta mal ou constrangido por não lhe dar satisfação. Olhe bem em seus olhos e devolva a questão: "Porque você quer saber isso?" Provavelmente ela irá perceber o incoveniente e dirá que "não é por nada". Então você pode dizer a ela que 'se não é por nada', não há necessidade de responder. Mude o assunto. Vai perceber com o tempo que melhor do que falar da vida alheia é falar de assuntos. Fale do tempo! Porém temos que enfrentar essas coisas dentro de nós. Um treino constante, mas urgente.


p.s. Sugiro leitura de José Gaiarsa, o Tratado geral sobre a fofoca. Leia aqui uma parte do livro.

Aqui vai o Osvadinho da Cuíca cantando Vá cuidar da sua vida. Maravilhoso!


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