Até as pinturas rupestres da Serra da Capivara sabem que o mundo anda da pá virada. Um dos sinais inequívocos do fim dos tempos é a morte do valente honrado, do porradeiro gentil-homem, do cavaleiro andante, do peleador leal. Não existem mais sujeitos como Nascimento Grande - homens que mereceram loas tecidas nas chulas de capoeira e nos gemidos dos urucongos.
Morreu o valente romântico; vivemos a era dos covardes, do anonimato de machões virtuais que ficam se escondendo e se xingando pela internet, dos bundões que armam as maiores pancadarias em portas de boates e estádios de futebol com a fúria insana dos falsos apaches de filmes de faroeste. Nenhum deles merece limpar o cocô de Nascimento Grande, o cabra mais arretado que passou por esse mundo velho.
A descrição que Luís da Câmara Cascudo faz de Nascimento é fenomenal. Acompanhem só:
De alta estatura, corpulento, chegando aos 130 quilos, morenão, bigodes longos, muito cortês e maneiroso, usava invariável chapelão desabado, capa de borracha dobrada no braço e a célebre bengala de quinze quilos, manejada como se pesasse quinze gramas e que ele chamava a volta. Uma bengalada derribava um homem, duas desacordavam e três matavam.
Me permitam explicar melhor quem foi essa figura extraordinária. Chamava-se José Antônio do Nascimento e era o mais afamado valente do Recife na entrada do século XX. Trabalhava na estiva e, segundo relatos, levantava cargas absolutamente insanas, daquelas de matar com a tísica os maiores fortões. Perto do peso que Nascimento Grande era capaz de carregar, os doze trabalhos de Hércules adquirem a dramaticidade de um piquenique na Pedra da Moreninha.
Nunca implicou com ninguém. Jamais provocou uma porrada. De conduta ilibada e honestidade comovente, versado nos segredos do jogo de angola, só saía no cacete em legítima defesa. Como era uma fortaleza, costumava ser desafiado por malandros de todos os tipos, proxenetas de quinta categoria, sibaritas de botequim e mestres de capoeira, que sabiam da fama reservada a alguém que conseguisse meter-lhe a porrada. Nunca aconteceu.
Meu avô, que era pernambucano de boa pipa, contava coisas absolutamente espantosas sobre Nascimento Grande e guardava como relíquia um cordel chamado Vida de Nascimento Grande, o Homem do Pulso de Ferro. Nós, os netos, ouvíamos extasiados os feitos do ciclópico personagem. Toda vez que escutava algum relato envolvendo cenas de força e valentia, o velho afirmava: Valente mesmo só teve um, o Nascimento Grande. E era educadíssimo.
Conheço inúmeras histórias desse gigante. A que mais me impressiona se refere a um ataque que sofreu em Vitória de Santo Antão, de um cabra perigoso, tremendo facínora e homicida desde o berçário. Corre-Hoje, essa era a alcunha do ferrabrás, atacou Nascimento Grande auxiliado por sete comparsas. Pra que? Nascimento Grande bateu nos sete e mandou o Corre-Hoje comer o capim pela raiz, com o pijama de madeira abotoado nos trinques.
Diante do pânico dos que assistiam à cena, que incluiu os inevitáveis desmaios das mulheres, Nascimento Grande colocou o corpo do meliante em um banco, acendeu velas e velou, rezando contrito, a alma do morto até a chegada da polícia. Exigiu que Corre-Hoje tivesse um velório cristão.
Em certa feita foi, já bem coroa, provocado por um safardana chamado Pajéu, metido a capoeirista e dado a bater em mulher – coisa que causava asco absoluto em nosso personagem. Pois o tal do Pajéu apanhou mais do que boi ladrão. Não contente com a coça, Nascimento Grande obrigou o cabra a colocar uma saia de mulher e desfilar pelas ruas do Recife Velho.
Em viagem ao Rio de Janeiro, o gigante pernambucano mandou para a cidade do pé junto o legendário capoeirista Camisa Preta, bambambã da velha Lapa e personagem até de samba de Wilson Batista, que o desafiara para um combate de morte com as provocações mais descabidas. Nascimento Grande mandou Camisa Preta dar a volta ao mundo no Orum.
Todos os que conheceram Nascimento Grande falam dele como um gentil-homem, alma de passarinho naquele corpanzil todo. Chorava capibaribes de lágrimas quando ouvia alguma história de maus tratos a crianças.
O último dos valentes, sabedor dos mistérios da ginga, tinha o coração do tamanho da praia da Boa Viagem.
Morreu o valente romântico; vivemos a era dos covardes, do anonimato de machões virtuais que ficam se escondendo e se xingando pela internet, dos bundões que armam as maiores pancadarias em portas de boates e estádios de futebol com a fúria insana dos falsos apaches de filmes de faroeste. Nenhum deles merece limpar o cocô de Nascimento Grande, o cabra mais arretado que passou por esse mundo velho.
A descrição que Luís da Câmara Cascudo faz de Nascimento é fenomenal. Acompanhem só:
De alta estatura, corpulento, chegando aos 130 quilos, morenão, bigodes longos, muito cortês e maneiroso, usava invariável chapelão desabado, capa de borracha dobrada no braço e a célebre bengala de quinze quilos, manejada como se pesasse quinze gramas e que ele chamava a volta. Uma bengalada derribava um homem, duas desacordavam e três matavam.
Me permitam explicar melhor quem foi essa figura extraordinária. Chamava-se José Antônio do Nascimento e era o mais afamado valente do Recife na entrada do século XX. Trabalhava na estiva e, segundo relatos, levantava cargas absolutamente insanas, daquelas de matar com a tísica os maiores fortões. Perto do peso que Nascimento Grande era capaz de carregar, os doze trabalhos de Hércules adquirem a dramaticidade de um piquenique na Pedra da Moreninha.
Nunca implicou com ninguém. Jamais provocou uma porrada. De conduta ilibada e honestidade comovente, versado nos segredos do jogo de angola, só saía no cacete em legítima defesa. Como era uma fortaleza, costumava ser desafiado por malandros de todos os tipos, proxenetas de quinta categoria, sibaritas de botequim e mestres de capoeira, que sabiam da fama reservada a alguém que conseguisse meter-lhe a porrada. Nunca aconteceu.
Meu avô, que era pernambucano de boa pipa, contava coisas absolutamente espantosas sobre Nascimento Grande e guardava como relíquia um cordel chamado Vida de Nascimento Grande, o Homem do Pulso de Ferro. Nós, os netos, ouvíamos extasiados os feitos do ciclópico personagem. Toda vez que escutava algum relato envolvendo cenas de força e valentia, o velho afirmava: Valente mesmo só teve um, o Nascimento Grande. E era educadíssimo.
Conheço inúmeras histórias desse gigante. A que mais me impressiona se refere a um ataque que sofreu em Vitória de Santo Antão, de um cabra perigoso, tremendo facínora e homicida desde o berçário. Corre-Hoje, essa era a alcunha do ferrabrás, atacou Nascimento Grande auxiliado por sete comparsas. Pra que? Nascimento Grande bateu nos sete e mandou o Corre-Hoje comer o capim pela raiz, com o pijama de madeira abotoado nos trinques.
Diante do pânico dos que assistiam à cena, que incluiu os inevitáveis desmaios das mulheres, Nascimento Grande colocou o corpo do meliante em um banco, acendeu velas e velou, rezando contrito, a alma do morto até a chegada da polícia. Exigiu que Corre-Hoje tivesse um velório cristão.
Em certa feita foi, já bem coroa, provocado por um safardana chamado Pajéu, metido a capoeirista e dado a bater em mulher – coisa que causava asco absoluto em nosso personagem. Pois o tal do Pajéu apanhou mais do que boi ladrão. Não contente com a coça, Nascimento Grande obrigou o cabra a colocar uma saia de mulher e desfilar pelas ruas do Recife Velho.
Em viagem ao Rio de Janeiro, o gigante pernambucano mandou para a cidade do pé junto o legendário capoeirista Camisa Preta, bambambã da velha Lapa e personagem até de samba de Wilson Batista, que o desafiara para um combate de morte com as provocações mais descabidas. Nascimento Grande mandou Camisa Preta dar a volta ao mundo no Orum.
Todos os que conheceram Nascimento Grande falam dele como um gentil-homem, alma de passarinho naquele corpanzil todo. Chorava capibaribes de lágrimas quando ouvia alguma história de maus tratos a crianças.
O último dos valentes, sabedor dos mistérios da ginga, tinha o coração do tamanho da praia da Boa Viagem.
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