quarta-feira, 16 de junho de 2010

Do início da série sobre o masculino

Gosto de entrar em sebos para garimpar aquela montanha de livros. Mesmo que não vá comprar nada acho um lugar divertido e sempre podemos ser surpreendidos. Sebos geralmente com poucas excessões acumulam coisas terríveis, particularmente a estante de psicologia, que na verdade costuma ser um amontoado de auto-ajuda ou de uma psicologia das mais chinfrins. Porém de tempos em tempos encontramos, como disse, algo que nos surpreende. Algumas semanas atrás numa dessas idas ao universo encantado dos livros usados me deparei com um que nunca tinha visto antes, ou talvez não tenha reparado. O nome me foi estranho e o subtítulo me remeteu a mais uma dessas picaretagens que tanto enfestam o mundo. Porém como ando um tanto obcecado pelas questões dos relacionamentos e nos modos de expressão do feminino e do masculino, fui folhear. A apresentação do livro já diz a que ou a quem interessa. O livro em questão é “O complexo de Casanova – Os homens que têm compulsão de trair e as mulheres que sofrem em suas mãos”, de Peter Trachtenbrg, editora Record. A edição que tenho é de 88, mas houveram várias reedições e numa breve ida ao buraco negro internet soube que esse livro foi uma febre no fim dos anos oitenta e que ainda é uma importante referência para pensar sobre homens com sérios comprometimentos nas formas de se relacionar. Giovanni Giacomo Casanova de Seingalt (1725-1798), por sua vida dissoluta e grande número de conquistas amorosas, teve seu nome identificado com um fenômeno da psique masculina e passou a identificar o mulherengo crônico. Peter Trachtenberg, que se considera um Casanova em tratamento, tenta mostrar o que é levar uma vida comandada por uma sexualidade compulsiva e quem são as mulheres que compartilham essa experiência. O livro é repleto de depoimentos e entrevistas feitas ao longo de vários meses. Oferece análises instigantes do hommes fatals como Lord Byron, James Bond, Frank Sinatra, Ernest Hemingway e outros, examinando as forças que, tanto na família como na cultura ao redor, dão origem ao mulherengo crônico. Estou no meio do livro e devo confessar que me vi em muitos momentos e conheço outros homens que passam por situações muito parecidas. As vezes há generalizações, mas não penso que comprometa a idéia central do debate. Como o alcoolismo e o abuso de drogas, a sexualidade errante é um verdadeiro distúrbio compulsivo, diz o autor, um distúrbio que requer um suprimento ininterrupto de conquistas sexuais. A questão é a dependência, se não de alcool e drogas, de mulheres e sexo. São discutidos modos do olhar do mulherengo crônico e das mulheres que atraidas por isso seguem a repetição dessas relações. Um padrão quase que previsível que combina busca, sedução, traição e abandono. Pode em um primeiro momento dar a simples idéia de uma história sobre canalhas, mas não é. O livro discute a todo instante a aparente falta de compromisso desses homens como uma quase patológica fuga e evitação da intimidade. Em sua grande maioria são homens solitários, apesar de todas suas conquistas, com pouca capacidade de lidar com algumas das emoções que uma relação faz surgir. Há também os casados, mas esse é um capítulo a parte. Todos querem amar, mas não confiam, não conseguem, não se entregam. Dizem sentir, mas sempre se sabotam. Tem um vazio que é quase um destino. São enfermos da alma e reféns da repetição que não entendem. Homens que precisam de ajuda, e que de longe podem até fazer outros sentirem certa inveja, mas de perto são incapacitados e delirantes. É um livro sobre o sofrimento, não sobre os prazeres da conquista. Escreverei mais em breve.

Um comentário:

untitled disse...

Homem, corajoso você. Admirável este texto. Em meio a tantas discussões (absolutamente essenciais) e "saias justas" sobre o feminino, ler uma voz masculina que aborda de forma aberta e sincera os problemas e angústias do homem é realmente digno de elogio. Que você continue sendo um arauto de um sexo que também é frágil e vivencia questões tão ou mais complexas que as femininas.