domingo, 23 de agosto de 2009

Uma história sobre cores

Tem gente que diz que esse negócio de cor e raça é pura bobagem. Dizem que devemos viver como uma coisa só e do modo mais fraterno possível entre a espécie humana. Não desconfio das boas intenções de muitos que falam isso, mas como sabemos onde fica o lugar mais cheio de boas intenções, vou eu aqui contar o que aconteceu essa semana comigo.
Fui assinar o contrato de meu novo trabalho. Professor da graduação do curso de psicologia. Entro na secretaria e uma pessoa bastante solícita me recebe e me pede para esperar um momento. Ela busca umas folhas daqui, papéis de lá, grapeia isso, cola aquilo e encontra minha ficha de inscrição previamente preenchida por mim para organizar no arquivo. Até aí nada de mais. Eis que ela me olha, lê algo na ficha, me olha novamente e diz:

- Nossa, aqui você colocou cor negra.
- Sim.
- Eu preenchi aqui no banco de dados cor branca.
- Como é que é?
- Mas você é pardo, não?
- Não meu caro, eu sou negro. E faz o favor de mudar isso ai. Cor negra.

E acabamos nossa breve, porém significativa conversa. Estava eu pronto para mandar uma meia dúzia de "verdades", mas diante do contexto, no meio de toda aquela muvuca, achei melhor guardar meu latim. Quase disse que cada pessoa tem a cor que diz ter, que sente ter, não sei, algo que não deixasse aquele momento passar batido. Ops! mas não será esse discurso o tal do "branqueamento" da população brasileira? Não estaria exatamente aí a continuidade dos preconceitos? "Personalidades" como o jogador Ronaldo afirmando sua cor branca. Quem não se lembra disso? Descendentes de africanos e indígenas dizendo que são brancos, quando na verdade não o são. Terceiros afirmando que você não é quem diz ser - e você acreditando. Parece-me que a tal ideologia caminha por lugares assim, que se faz na naturalização de elementos construidos socialmente, no discurso, na postura, naquilo que parece não ter importância.
Pois bem, o debate é antigo e merece atenção. Quando digo que sou negro estarei eu negando as outras partes de que descendo? Por muito tempo dizia apenas que era mestiço, mas será agora isso suficiente? Pontuando melhor a questão. Um mestiço passar por branco, ok. Beleza, afinal isso até é o esperado. Um mestiço se dizer negro, bem, talvez, vai que, será, não sei, estranho... entendeu o ponto da questão? Negro aqui ainda é "moreninho". Preferi apenas falar que pelo jeito na universidade não deveriam ter muitos professores que se consideram negros. O funcionário concordou. Na verdade não existem muitos professores e alunos negros em toda a instituição. Os negros por lá se destacam nos chamados serviços gerais, na segurança e na copa.
Então, por favor, até o mundo ser outro, a vida outra, os preconceitos outros, as ideologias outras, não me diga que essa história de cor é bobagem.

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