Provavelmente irei iniciar um novo trabalho nas próximas semanas. Estarei assumindo a coordenação do abrigo municipal de Mairiporã, ao lado da Serra da Cantareira e Franco da Rocha. Quero falar é desse outro município. Franco da Rocha ficou e é conhecida por sua colônia psiquiátrica. Para quem não sabe, a cidade de Franco da Rocha surgiu exatamente da necessidade de abrigar trabalhadores e familiares desses e dos internos do hospital psiquiátrico de lá. Já se passou então um século desde sua fundação. Como não poderia deixar de ser, a cidade é extremamente estigmatizada com as questões da loucura e o que não faltam são histórias sobre essa relação bastante singular de uma localidade específica com “seu hospital de doido”. O hospital psiquiátrico de lá vem sofrendo inúmeras intervenções nos últimos anos e muitas das atrocidades cometidas no passado já não se repetem mais, apesar de todos os desafios que ainda existem e da sua necessidade de desativação.
Mas gostaria de contar um diálogo que tive na minha última ida a Mairiporã. Para chegar até lá preciso pegar um ônibus daqui de casa para a estação Barra Funda, lá pego o trem sentido Francisco Morato, desço na estação de Franco da Rocha e depois pego mais um ônibus até Mairiporã. Estou na fila do ônibus nesse último trecho, e como nunca perco a oportunidade de entender as aglomerações humanas, de observar o comportamento desse curiosa espécie, raramente deixo de falar com estranhos nesses momentos. Não que eu seja do tipo falador e precise puxar conversa a todo instante, mas de um modo geral dou atenção para alguns tipos que tentam ser simpáticos. Uma senhora que estava a minha frente, carregando um pacote enorme, enrolado num saco, com a alça feita do próprio plástico do saco, falou comigo.
“- Eu nunca vim para os lados de cá. Até que é tranquilo, né?
-Como assim, senhora?
-Acontece que eu sou lá da zona leste, e desde que vim pra são Paulo escuto um monte de coisa daqui, de como tem doido andando pelas ruas, aí a gente fica com medo, vai que eles fazem alguma coisa com a gente.
-Que nada! Os doidos são muito tranquilos. As pessoas tem muitos preconceitos com os portadores de transtorno mental. A gente tem medo do que não conhece.
-É verdade meu filho, mas mesmo assim tem que tomar cuidado, né?
-Confesso para a senhora, que eu tenho mais medo de quem se diz normal do que dos malucos de verdade.
-Eu também! Já tive conhecido que o parente ficou doido, tinha umas coisas estranhas, mas nunca fez mal pra ninguém.
-Está vendo? Quem é que não teve um momento de dificuldade e não precisou de ajuda? Cada pessoa lida com isso de um modo, mas não podemos é achar que elas devem ficar presas, que são perigosas, existem modos muito bons pra ajudar as pessoas do que simplesmente colocar elas no manicômio.
-Sabe que agora eu tenho que vir algumas vezes pra cá, vou trabalhar numa firma aqui perto e estou bem tranquila depois de andar por aqui e não acontecer nada comigo.
-Venha sim!”
O ônibus vai partir e precisamos subir. Ofereço ajuda com o pacote e fico pensando de onde exatamente vem aquela mulher, que aparenta ter uns 65 anos, carregando aquele peso enorme. Provavelmente história parecida de tantos outros trabalhadores brasileiros. Ela fica na parte da frente e eu passo pela catraca. Nos cumprimentamos com um sorriso. Ela desce logo depois e eu sigo meu percurso por uns 20 minutos. Cheguei.
Agora vou lá conhecer os meninos do abrigo, que tem também mais algumas histórias de brasileiros que não podem ser esquecidas. Mas sobre isso, eu conto depois.
Um comentário:
:D
:D
Um milhão e meio de sorrisos depois: você tem um 'marcador' trabalho!! Que lindo isso! Mesmo!!
E, sabe? Já tinha visto que não rolou o NASF, mas, sei lá, essas coisas são assim estranhas... e eu acho que este trampo de Mairiporã tá no seu caminho. Sabe? Pedindo pra você passar?
Acho que será uma daquelas coisas que a gente tem que passar na vida e nos transforma pra sempre?
Meninos... e meninos que tiveram suas casas tiradas deles... saca? Acho que vai dar um puuuuuta samba!
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