Normalmente temos a tendência de perguntar aos que acabamos de conhecer o que eles fazem. Em um primeiro momento pode revelar algo bastante trivial, sem muita importância, mas também pode revelar boa parte da direção que a conversa vai tomar. "O você faz?" significa na verdade "no que você trabalha?". Isso pode revelar afinidades, interesses por um assunto, simpatia pelo que está sendo dito, indiferença, etc. Pode também revelar um papel social, e isso em nossa sociedade é bastante expressivo. "O que você faz?" poderia também ser uma forma de introduzir uma conversa amistosa e significar apenas "como você ocupa seu tempo?", certo? Talvez. Como o tema trabalho se mostra fundamental para nossas relações sociais, dependendo da resposta muito do que pensamos e revelamos de algum modo já estará direcionado e mesmo condicionado. Veja o caso de parte do norte da India, onde no primeiro encontro as pessoas tendem a perguntar não "o que você faz", mas "você é casad@?". Dependendo de sua resposta a conversa irá tomar rumos totalmente distintos. Igualmente no Japão, onde ser promovido no trabalho depende muitas vezes de você ser casado ou não, já que ser casado significa, naquela sociedade, sinônimo de responsabilidade. Bom, com minha nova função de professor de psicologia tenho pensado bastante nisso e feito um tipo de experiência. Quando as pessoas me perguntam o que faço, de um modo geral, respondo da perspectiva de minha formação acadêmica. Entretanto hoje tenho dito sobre outras coisas que não passam necessariamente pelas questões de trabalho. Digo sobre grupos de estudo que participo, sobre minha casa e a relação com as pessoas que convivo nela, falo do movimento da luta antimanicomial, dos espaços autonomistas que as vezes frequento em São Paulo, e por aí vai. Pense sobre isso. Como responder a questão sobre o que fazemos sem falar sobre nossa formação ou trabalho? Afinal somos muito mais que nossos trabalhos e esse é o ponto. Mas as vezes não consigo escapar disso e respondo pela perspectiva do trabalho. Não é mesmo nada facíl escapar. E mesmo quando me interesso em responder por diferentes angulos a essa questão, tenho pensado sobre a possível reação de meu interlocutor. Uma coisa é dizer que sou psicólogo, outra que sou apenas professor, e outra ainda ser professor de psicólogia, e mais diferente ainda entre os colegas psicólogos que sou supervisor de uma clínica-escola, que não é a mesma coisa que ser professor de psicologia. São reveladas algumas possibilidades de papéis que produzem diferentes reações e isso cria distintas impressões no modo que as pessoas passam a interagir comigo. Dependendo do lugar, do contexto, da maneira que se direciona a pergunta sobre o que faço, tomo uma decisão e escolho uma resposta que nem sempre é intencional, mas que não escapa ao meu interesse no modo de ser reconhecido. Isso não acontece somente comigo, apenas penso do lugar que me cabe: da minha própria vida. E como é pensar isso em lugares que a questão da formação acadêmica não está dada? Em contextos onde um monte de gente faz (quase) qualquer coisa que aparecer? Como é perguntar isso no sertão, em algum interiorzão, na periferia? Volto nesse tema em breve. Abraços.
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