sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Quando escolhemos ficar

Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos e simplesmente ir ver.
Amyr Klink
É atribuida a Albert Einsten a seguinte frase: "A mente que se abre a uma nova idéia jamais volta ao seu tamanho original." Juntando ao que Amyr Klink falou, minha condição atual diz que eles estão repletos de razão. Evidente que aprender é bom e ter a sensação de que algo se amplia é melhor ainda, mas essas coisas sem compartilhar, sem a paciência devida pode provocar algumas colisões.

O duro mesmo, por mais irônico que possa parecer, é como lidar com isso depois. Tenho falado muito com alguns amigos que passaram pela experiência de viver distante de suas origens e entre pessoas e povos diferentes e realmente me surpreende como cada um lidou e lida com isso de um modo particular. Gente que se isolou e precisou de meses para ficar tranquilo entre aqueles que ama. Outros que já foram "de sola" naquilo que lhes fazia falta, e ainda aqueles que mesmo depois de anos se sentem deslocados em sua própria casa. E por aí vai. Eu particularmente sinto um pouco de cada situação e outras cositas mas.

Difícil dividir, explicar, se fazer entender. Pesado, dolorido, as vezes triste. Apesar do contentamente de poder voltar, algumas respostas dadas nos encontros casuais parecem muito mais que uma simples interação entre pessoas que não se encontram a muito tempo. Apesar disso tudo, o importante e o que interessa mesmo, as vezes vem surgindo como numa cadência de um samba bonito. Um instrumento de cada vez. Quem sabe a facilidade e a dificuldade desses fatos tenha haver com o quanto de integração tenhamos com nossa própria cultura e valores. Falo do samba porque foi uma das coisas que mais senti falta quando estive fora. Não importa quem está tocando, para um bom samba acontecer não interessa se os músicos são mesmo descendentes direto da coisa, mas também se o povo que os cerca não sabem do que se trata aquilo, tudo muda. E olha que fui em muitas rodas de samba fora do Brasil, com gente muito competente mandando ver na batucada.

Alguns dias antes de sair do Japão um amigo capoerista japonês veio me perguntar algo sobre mandinga. Queria ele, me confessou, ter mais mandinga na vadiação. Papo vai e papo vem, dizia eu que ele tinha que perguntar isso pra meu mestre, mais autoridade e competência para discursar sobre isso, que eu também estava aprendendo sobre, que apesar de ter uma relação de berço com a capoeira, ainda havia muito que aprender. Eis que me dou conta de algo curioso. Meu amigo apesar de treinar bastante e ser muito interessado na capoeira, sabia muito pouco ou nada da cultura brasileira e sua diversidade. Falei pra ele que era importante ele conhecer o mundo onde a capoeira nasceu, como ela se desenvolveu e que mandinga pra nós brasileiros pode ser muita coisa, que vai além da capoeira. O que ele queria precisava de vivencia na coisa toda, não nos livros e vídeos que assistia. Claro que ajuda, mas a experimentação faz toda diferença de que precisa. Mandinga a gente vive, e há aqueles que possuem mais que outros, mas não existe escola para aprender.

Falamos do "jeitinho" brasileiro e como isso tem haver com mandinga. Apesar do modo pejorativo de pensar esse "jeitinho" estar aumentando, sou um daqueles que aceita esse jeito e que reconhece nessa expressão um modo de realizar as coisas para uma vida melhor. Jeito de fazer, de mostrar, criar, resignar. O "jeitinho" de criar quatro filhos da mãe solteira com um salário mínimo. "Jeitinho" de celebrar o candomblé e a umbanda nos pequenos terreiros dos morros e favelas. "Jeitinho" de todo mundo cair no carnaval de rua de milhares de cidades pequenas sem pagar um centavo por isso. "Jeitinho" de cursar uma universidade noturna por cinco anos e trabalhar no mínimo 50 horas semanais. Muitos e muitos outros jeitos. Por isso que voltar pro Brasil me parece uma questão de jeito. Dá trabalho claro, pricipalmente quando a gente repara naquilo que temos de pior, mesquinho e pequeno. Na zona que é isso aqui, na corrupção dos mafiosos de colarinho branco, mas também dos anônimos que não respeitam nem o pedestre na faixa de trânsito (estou dando esse exemplo porque quase fui atropelado na faixa de pedestre três vezes em menos de uma semana desde que cheguei em menos de um mês).

Minha mãe falou dias atrás de como o Brasil era o melhor país do mundo. Entendi o que ela estava querendo dizer com isso, que tinha haver com o fato de ser onde vivemos, de ser nossa casa e tal, mas não pude deixar de completar com o clássico "tá ruim, mas tá bom", afinal como o país com a pior distribuição de renda do mundo pode ser o melhor lugar para se viver? Mas mesmo assim cada um vai fazendo as escolhas que lhes cabem. A minha foi voltar. A minha esta sendo voltar. Permaner de corpo e alma! Nessa direção eu concordo com minha mãe. É o melhor sim, porque é minha escolha e sou dono de meu destino, aliás como todos.

Ainda assim acho que as pessoas que têm a oportunidade de ir verem como é em outro lugar deveriam ir. Claro que não precisam ir tão distante como fui, mas se o gaúcho pudesse conhecer a cultura nordestina, deixar seus preconceitos de lado, seria ótimo. Caso o paulista se abrisse mais aos valores baianos idem. Se o mineiro pudesse chegar na Amazonia, melhor. O matogrossense visitar o pernanbucano seria bom começo. Na verdade, isso esta sempre acontecendo. O fluxo de migração interna é gigantesco, mas ainda sentimos como as barreiras insistem em permanecer. As pessoas não satisfeitas em manter fronteiras entre os povos, trabalham na manutenção disso dentro de si mesmas, quando nem se dão conta que são frutos direto dessa movimentação. Uma cidade que seja possui essa capacidade de revelação! Visite um bairro que desconheça e vai entender o que estou dizendo. Muito depende de como olhamos e nos envolvemos. Porém isso é assunto para depois. O fato é que nada permanece o mesmo, nem pessoas, nem lugares, nem aqueles que partem, nem aqueles que ficam. E já dizia um samba lindo que canta a verdade de que "voltar quase sempre é partir para um outro lugar".

Um comentário:

Jú Pacheco disse...

Adoro ouvir sobre "escolher ficar".
Odeio qdo ameaçam o tempo todo ir embora!
rs...

Por sinal, lembrei:

"Ser forte é parar quieto, permanecer".
Guimarães