sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Algumas razões pelas quais não voto.

Muita gente sempre me pergunta se estaria mesmo certo anular o voto. Não vamos entrar em todos os detalhes sobre isso, mas me sinto incentivado a defender essa decisão aqui no Paladar. Não se trata apenas de anular o voto, mas de aproveitar a atual situação e dizer que existem alternativas para além do voto. O que interessa aqui é pensar a autogestão, cooperativismo, ajuda mútua e que essas são alternativas reais.
E vamos ao que interessa. Primeiro que penso ser uma absurdo partir do ponto da desconfiança e do preconceito dizendo que o voto nulo é uma forma de protesto por achar que todos os políticos profissionais são iguais. Basta olhar um pouco melhor e ver que não dá pra dizer que Paulo Maluf é igual a Soninha, que a Marta é igual ao Kassab ou que o Geraldo Alckmin é igual ao Ivan Valente, isso se ficarmos apenas em alguns candidatos a prefeitura de São Paulo. Não são parecidos em suas trajetórias políticas, nas propostas feitas e menos ainda em suas opiniões pessoais. Particularmente até nutro certa simpatia por algumas dessas pessoas e completo desprezo por outras, mas isso não vem ao caso. Votar nulo é mais que um protesto. Lembro-me de quando entrei em contato com argumentos mais consistentes sobre o voto nulo e como foi difícil optar por isso. Na verdade, como é dificil entender alternativas que não desejam esse tipo de representação partidária.
Na época estava prestes a completar 18 anos e poderia votar a tempo nas eleições municipais. Vivia com minha família no interior de São Paulo, na região de Araçatuba e a coisa estava bastante confusa na escolha dos candidatos. Não poderia me considerar um anarquista, mas as criticas ao Estado e aos sistemas autoritários estavam cada vez mais presentes em minha vida. Por que estou contando isso? Nessa época eu tinha dois bons amigos. O Fred e o Antenor. Fred é um poeta e um agitador cultural que vive na cidade de Mirandópolis. Antenor é professor de antropologia na Unip Araçatuba, mas vive em São Carlos. Ambos na ocasião eram cândidos a vereador em suas cidades. Eu os conheço relativamente bem para poder dizer a respeito de suas convicções e caráter. Enfim, eu realmente gosto dessas pessoas! Essa foi a primeira lição que tive para saber que nem todos são iguais, que nem todos são interesseiros, que nem todos são estúpidos como a grande maioria dos candidatos.
E agora é o ponto que queria chegar. Eleições não podem ser encaradas como uma comunhão de amigos. Não se trata de favoritismo ou de algo pessoal. Mas o que temos é exatamente o oposto. O jornalista Celso Lungaretti nos faz pensar em uma coisa bem interessante também. O Brasil tem 5.563 municípios. O PT marcha para as eleições de domingo coligado ao PSDB em 1.095 deles (19,7%). Ao DEM, em 957 cidades (17,2%). E ao PPS, em 1.129 (20,3%). Ou seja, em 3.181 municípios brasileiros (57,2%), o PT selou alianças com um dos principais partidos de oposição: os tucanos, os democratas ou o satélite de ambos. Mais da metade das cidades do País já vive a era dos partidos indiferenciados: são todos farinha do mesmo saco. Esta é outra explicação para a popularidade-recorde de Lula. Quando os partidos nada mais significam, os cidadãos apostam todas as suas esperanças em pessoas. Seria interessante fazerem outra pesquisa de opinião, que aferisse a popularidade do PT. Com certeza, não atingiria nem a metade da lulesca. Mas, homens providenciais morrem ou desabam do pedestal. E, quando isto acontece, nada deixam atrás de si, além de um povo órfão. Partidos têm vida longa. Cabe-lhes manter a continuidade da luta por bandeiras históricas. Quando se tornam gelatinosos, como os brasileiros, implodem as pontes entre passado, presente e futuro. Aqui não há partidos no sentido tradicional do termo, com posturas ideológicas definidas e diferenciadas. Há apenas o partido dos que estão no poder e tudo fazem para não deixarem entrar os que estão fora do poder, pois querem conservar as benesses do poder apenas para si. E o partido dos que estão fora do poder e tudo fazem para terem acesso ao poder e suas benesses. Hoje, a única referência que ainda imanta o povo brasileiro é um sexagenário. Adiante, uma incógnita. E os justificados temores de que estejamos decaindo sem nunca termos atingido o apogeu.
O que interessa, na minha percepção, são os modos de se atingir determinados objetivos e representar determinadas instancias que sempre tendem para algum lugar nos conflitos sociais e políticos. Essa idéia sobre política que temos em nossa sociedade também me incomoda profundamente. A postura de que ela deve ser tratada na Câmara, ou ainda ser apenas de pessoas capazes de jogar no campo das burocracias e pseudos partidos é despresivel. Política é algo feito no cotidiano, nos espaços de convivência, e se a Câmara dos vereadores serve para alguma coisa, seria apenas pra formalizar as decisões tomadas antes nos espaços vivos da comunidade. Mas se esses espaços são feitos para reunir aqueles que aprovam e recusam leis, quem garante que isso não será utilizado para seus próprios interesses? Acredito em associações de bairro, conselhos escolares, de saúde, de segurança, de saneamento. Acredito que as decisões devem ser tomadas pela coletividade e nunca por um punhado de políticos ligados a um partido. Nesse sentido a idéia da representatividade também me parece uma falácia. 50%+1 se revela uma fórmula bastante simplista para contemplar a maioria e relegar e despresar a minoria (isso se podemos dizer que 49% seja minoria, mas...), em suma, é autoritária.
Não sou ingênuo de pensar que o consenso seja perfeito, mas com certeza deveria ser considerado mais vezes e com melhor atenção. A votação é dinâmica e facilita o processo de eleição, mas de forma alguma garante compromisso e unidade com a coletividade. No caso brasileiro, a obrigatoriedade do voto apenas fortalece isso. O argumento utilizado por todos os lados para se votar em alguém muitas vezes não passa de cinismo ou desespero. O que fazer quando alguém não se sente representado por nenhum dos candidatos? Um exemplo disso é o caso de partidos com o PSTU e o Partido da Causa Operária. No primeiro turno eles apresentam seus candidatos, mas no segundo turno, onde nunca há um de seus representantes, a proposta para seus eleitores é clara: vote nulo. Na verdade desde que escolhi não votar mais - na verdade nunca escolhi um candidato - me sinto muito mais obrigado a agir. Atuar em movimentos sociais, nas estruturas mais horizontais e em coletivos que visam autonomia me parece muito mais efetivo e sincero com a democracia, prefiro essas atuação do que a escolha de uma pessoa ou partido para tomar decisões sobre tudo e todos.
Votar nulo é chamar a responsabilidade de transformação social para dentro da sua casa! No sentido contrário, o voto me parece nada mais do que abrir mão do próprio poder. O poder de realizar, o poder de fazer, o poder de se responsabilizar e ser capaz de falar com conhecimento de causa sobre as necessidade e prioridades de sua comunidade. Votar em eleições como essas, muitas vezes não é mais nada que o mínimo a ser feito, mesmo que muitos pensem ser o máximo. Um candidato é a possibilidade do poder sobre, uma escolha que com o tempo se revela na maioria das vezes equivocada. Nos dias atuais não somos capazes de debater sobre todos os caminhos da nossa comunidade, sempre falta algo ou algum tempo para entende-los, como permitir que outra pessoa o faça? Não eleger nesse processo pode ser a possibilidade do poder agir, uma escolha na auto-realização e responsabilidade. Impossível? Veja bem que as mudanças significativas em pról do ser humano na história, nunca foram feitas por legisladores e políticos profissionais, mas sim por movimentos sociais, rebeliões e livres pensadores. Sei bem também que temos um caminho longo a percorrer, mas processos educacionais, de aprendizagem nunca se dão do dia pra noite. A mudança de paradigma que precisamos virá no decorrer das gerações, mas nem por isso devemos perder a esperança.
Acredito que buscar um Estado mais humanitário e justo é tão utópico quanto uma sociedade sem Estado algum, com a diferença que essa segunda opção pode vir acontecer primeiro. Alguns já me disseram que isso é exatamente o que o livre mercado quer, o Estado mínimo. Entretanto diante dos fatos da quebradeira das instuições financeiras nos Estados Unidos atualmente e a intervenção do Estado pra salvar esses canalhas, mostrou quem acredita em que. Já dizia Bakunin que socialismo sem liberdade é autoritarismo e imposição e liberdade sem socialismo é privilégio e exploração. Trabalho na direção do que me parece mais justo e melhor, tanto como individuo com membro de uma comunidade. Amo minha cultura e meu povo e sei que se olhar de perto sou mais patriota que a grande maioria que se diz isso. A diferença é que não canto o hino nacional e não amo a bandeira verde amarela. Não jogo lixo na rua, não penso que o povo pobre é vagabundo, não sou racista, nem menosprezo as mulheres dessa terra. Não furo fila, nem roubo. Não acho os índios preguiçosos e não posso achar normal crianças na rua usando drogas. Penso que a diferença é uma só: somos seres humanos antes de sermos brasileiros. Esse papo de amor ao povo brasileiro pra conseguir votos ou mesmo que isso é uma ato de amor a pátria, simplesmente não me convence. Eu amo esse povo e não voto! Não me chamem de ressentido por favor. Para provar isso então aí vai uma dica para melhor saber em quem vocês estão votando. Um site de consulta de todos os candidatos das ultimas três eleições municipais e federais onde você pode ver quem declarou o que, quem tem quanto e onde. Bastante interessante e um tanto surpreendente. http://www.politicosdobrasil.com.br/

O que precisamos urgentemente é trabalhar para aproximar as pessoas dos processos de decisões que irão interferir em suas vidas, e isso tem pouco haver com apenas votar. Já existiram situações que precisei votar e esse processo me pareceu bem pensado no momento que o debate acontecia, mesmo não sendo o que mais me agradava a fazer. Foram votos em propostas e não em pessoas dentro de um pequeno contexto. Não fiz e não farei delegar alguém para decidir algo por mim sem meu consentimento. Apoio e trabalho na direção de uma política além do voto. Uma vez mais não se trata de algo pessoal, a favor ou contra alguém, mas que busca alternativas para organizar a sociedade. Fred e Antenor, meus amigos do interior paulista abandonaram a política partidária, mas continuam engajados em movimentos e sindicatos. Hoje tenho outros colegas que ainda permanecem na política partidária. Uma delas é acessória da Soninha em São Paulo e outro é parte de um movimento cristão chamado Fé e Política em Goiás e esta apoiando alguns candidatos dessa região. Uma vez mais, adoro essa gente e sei da integridade e da coerência de suas propostas, mas deveria fazer o que? Ausentar-me de votar em alguém não significa me ausentar das minhas responsabilidades como membro dessa sociedade. Como disse, não votar é mudar o foco da ação política para algumas transformações.
Recentemente eu até pensei em rever essa atitude, algo no sentido da escolha do “menos pior”. Como vocês devem estar percebendo há uma intenção de grupos evangélicos de tomar “as rédeas do Brasil em suas mãos”, palavras do famigerado Edir Macedo. Pois essa gente fundamentalista, vem a muito tempo deitando e rolando com a fé das pessoas e agora querem utilizar isso para suas investidas partidárias. Já podemos prever o trabalho que vai ser nos quisitos “respeito a diversidade religiosa e política” caso esse povo que se acham os esolhidos de Deus decidam fazer também justiça com as próprias mãos. Que os terreiros todos de candomblé e umbanda convoquem todos os Orixás que a coisa só tende a piorar!
E eis que vejo um outro tanto de atentos para isso e convocando o povo de santo para escolher candidatos afinados com as comunidades de religiões com matrizes africanas. Até aí beleza. Estratégica de defesa, certo? Preparar-se para lutar no campo do inimigo. Não gosto muito dessa tática, mas nem por isso sou o do contra e nem digo que estão errados. Então tempos depois o que vejo é mesmo de lamentar essas decisões que se dizem representantes de um determinado seguimento da sociedade. Alguns grupos que representam terreiros de umbanda publicaram uma nota pedindo apoio para o atual prefeito de São Paulo e sua reeleição, Kassab! Como levar isso a sério? Esse político representa a continuação dos privilégios e das desigualdades, um verdadeiro crápula que diz publicamente que o povo pobre e que vive na rua não passam de vagabundos! Que continua com a higiene social e “limpeza” do centro da cidade iniciada por Serra e que cumpre tudo direitinho. Um pau mandado da especulação imobiliária! Enfim, esse cara de pau é o candidato de muitos umbandistas. Lamentável, mas ainda assim deixarei eu de ir aos terreiros que tanto gosto? Claro que não. Por isso digo que muito trabalho precisa ser feito. Ir além do voto é oferecer uma luta contínua que antecede e ultrapassa a urna!
Não tenho nenhuma dúvida que podemos e devemos viver sem Governo. Que somos capazes de nos governar e não depender dessas instâncias que nada mais fazem que escravizar e ludibriar. Digo por minha própria vida e experiência que dispenso esses cuidados. Assumindo isso seria de muita arrogância acreditar que outros não podem fazer o mesmo. Caso se interesse por saber mais sobre política além do voto visite http://www.ainfos.ca/06/sep/ainfos00337.html

E agora chega. Essas são apenas algumas idéias gerais sobre uma decisão pessoal de quem vos fala desse simples e pequeno blog. Até mais e caso ainda tenham alguma dúvida do que fazer diante da urna assista o vídeo abaixo e boa sorte pra todos nós!

ps- isso de anular as eleiçoes caso se atinja mais de 50% de votos nulos e brancos serve apenas durante períodos majoritários, como escolha de governador e presidente. Ela não é anulada na eleições municipais.

Um comentário:

Mão do Macaco disse...

Achei animal o seu texto, e concordo com ele em vários pontos. Mas não em todos. Infelizmente diante de avanços da direita mais extremada e dos liberais econômicos mais selvagens, acabo optando pelos menos piores no espectro eleitoral, que são justamente PSOL, PSTU e PCO. E no caso de um segundo turno em SP do Kassab e da Marta, eu votaria nela como forma de tentar impedir a continuidade do governo Kassab. É que eu acredito que hoje, nestas condições de controle popular pela mídia e pelo medo, ainda não posso ser tão íntegro a ponto de anular, sob pena de permitir que uma situação muito pior aconteça. Cedo num ponto do meu anarquismo pra tentar permitir que esse meu anarquismo se espalhe mais sob condições menos piores de governos menos piores. E, também, tem a questão dos efeitos das políticas da direita e dos liberais econômicos nos trabalhadores, que são muito piores do que as da esquerda endinheirada e da esquerda institucional. Faço a opção pelo menos pior, mas tento visualizá-la como necessária agora, e não a longo prazo.

No mais, concordo integralmente com as estruturas horizontais de poder. O ruim é que justamente essa dinâmica da vida sob o capitalismo liberal e a dispensabilidade dos trabalhadores aliena as pessoas de suas necessidades e torna quase que martirizante alguém se dedicar à política real. Há aqui um paradoxo pra ser resolvido, pois eu acho que justamente pela opção de políticas institucionais menos más é que se permitirá mais condições pras pessoas mais fácil e amplamente tomarem as rédeas da vida.

Sei lá. Mas o seu texto está animal, professor!