Nas vésperas de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel.
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para o partir ainda livre no dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!
Grande tranquilidade a que nem sabe escolher ombros
Por isto tudo, ter pensado em tudo
É o ter chegado deliberadamente a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre.
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego...
Grande tranquilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fitando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
É pouco tempo que tens! Dormita!
É a véspera de não partir nunca!
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) em 27 de Setembro de 1934
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