Foi uma surpresa. O lugar: uma fabrica abandonada.
La Escocesa es tu nombre. Esta a leste de Barcelona e tambem vivem ali diferentes artistas, a maioría atores. Depois de caminhar por dias seguidos entre tantos becos, ruas e bares da principal cidade da Cataluña, um dia de descanco foi necesario, e fazer algo mais tranquilo tambem. Como podem ver, estou na Espanha. A Inglaterra ficou para tras. Boa sorte e adeus Londres!
Agora eh uma pausa no ingles e seguimos com o español e as primeiras palavras em catalao.
Enfim, vamos ao que interessa, La Escocesa. Um amigo de um amigo foi quem avisou. Uma apresentacao da “Cidades invisiveis” de Italo Calvino. Um galpao grafitado com uma decoracao bastante surreal onde atuavam 4 atores, foi o local onde estive por algumas horas. Entretanto, nao quero descrever sobre a apresentacao em si, mas tentar dizer a respeito de um pequeño trecho que me provocou bastante empatia e reflexao. A peca inteira fez isso, ainda mais nesse momento que estou vivendo. Nao me recordava de algunas partes, mesmo o livro nao sendo muito grande e a Ana que sempre estava falando dele tambem. O fato eh o livro eh lindo! Em um primeiro momento voce pensa que ele fala sobre diferentes cidades. Depois aparenta ser a mesma. As vezes a sensacao eh de uma descricao outra que nao uma cidade, talvez uma pessoa, provavel que de uma mulher. Esta la situacoes sobre o trabalho, o lazer, encontros, um mercado, temores, algumas ruas, a vida e a felicidade.
A parte que tento descrever, se inicia a partir de um dialogo entre Marco Polo e Kubla Klan. O viajante italiano esta sempre a enviar presentes e a descrever lugares ao imperador. O que acontece eh que nem sempre este pode ter certeza que compreende os lugares ditos e os objetos recebidos. Em determinado momento, o imperador um tanto contrariado, comeca a contar o que havia entendido de cada presente e relato. Marco Polo entao, concorda com cada palabra e afirma ser isso mesmo que encontrou em suas andancas. Ai, em um salto, com a vitalidade reconquistada, o brilho nos olhos, ele diz: “esta bem Marco Polo, agora irei eu em teu lugar! Viajarei para ver com meus olhos tudo que ha do outro lado”.
Por mais que possa existir um unico edificio e millares de pessoas o visitarem, as percepcoes a seu respeito sao tao diversas quanto os corpos que circulam por ele.
Para mim, um estranhamento se faz necessario para poder conhecer esse lugar. Muitas vezes nossos preconceitos fazem comparacoes e acabamos por perder precioso tempo. Acho que nao preciso me prender muito a descrever a diferenca entre o turista e o viajante novamente. O turista eh alguem incapaz que nao pode abrir mao de suas ideias e vontades e acaba por viver apenas o superficial, o facil, o palatavel para seu ego. Isso quando nao interfere para mudar o que nao lhe pertence, o que nao comprende. O viajante por sua vez, por mais que nao entenda de imediato, permanece calado, observando o que lhe eh revelado e sua intervencao eh com a vontade de aprender e crescer. Ele nao quer diminuir ou despresar nada. O viajante nao apenas gostaria de provar um novo sabor, sentir um outro aroma, ouvir uma palabra desconhecida, um sotaque nunca imaginado, mas esta curioso para saber a quanto tempo assim acontece, como vem sendo feito, a maneira que sempre existiu.
Uma das coisas que fizeram essa cidade aquí ser mundialmente conhecida eh a quantidade de arte em suas ruas. Uma gente muito boa criando e compartilhando inspiracao bem ali na sua frente quando voce vira uma esquina qualquer! Mano Chao ja tocou pelas ruas de Gracia, malabaristas do Cirque du soleil estiveram por Gotico, a rumba catalana ainda ecoa pelo porto. Entretanto, isso esta mudando. Primeiro, o artista precisa de uma autorizacao do governo local para tocar ou se apresentar em qualquer lugar da cidade. E fica cada vez mais difícil conseguir uma. Artistas que estao nas ruas ah mais de 20 anos tem se deparado com recusas para suas licencas. O espaco publico esta vigiado e nao eh mais tao publico assim... Aquele que violar essa lei tera seus objetos e instrumentos confiscados e esta sujeito a multa de 500 euros. Uma outra lei tambem proibe o consumo de alcohol em pracas. Mas porque isso esta acontecendo? Turismo meus caros e minhas queridas, tudo pelo turismo! O turista endinheirado as vezes se sente incomodado pelo artista de rua e prefere reclamar do que respeitar, afinal ele esta pagando! Nos dois ultimos anos dezenas de casas de shows foram fechadas porque a especulacao imobiliaria e hoteleira precisava de mais horas de sono para seus hospedes estrangeiros. Foi quando uma materia no El Pais, maior jornal espanhol, dizia que Barcelona era uma das cidades europeias com menor numero de espacos para shows comparadas com outros centros de cultura, permitindo assim algumas reaberturas, caso contrario...
La Escocesa tambem esta com os dias contados. Depois de 10 anos de atividade estao de malas prontas. O teatro-fabrica perdeu a luta contra uma multinacional de hoteis de luxo e ate o fim do mes deve desocupar o imovel que sera demolido. Eu provavelmente nunca mais entrarei ali e muitos de voces no Brasil nunca a terao conhecido. A apresentacao que me tocou tanto, que trouxe lembrancas, reflexoes e novos amigos nao me custou um centavo, foi gratis. Digasse de passagem, gratis para todos. Agora para entrar no novo hotel quanto precisarei pagar? Quantos novos amigos turistas podemos fazer realmente em lugares que a diaria custa no minimo 300 euros? Ironicamente, ali perto, existe uma praca que ganha o nome de George Orwel, o autor de 1984, e nao foi nenhuma surpresa encontrar cameras de seguranca nos seus quatro cantos.
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