quinta-feira, 26 de julho de 2007

Início

Resolvi fazer um blog. Não sei bem o que vai acontecer, mas acho que pode ser uma boa maneira de falar mais com os amigos e eles poderem saber o que anda acontecendo, e também conhecer novas pessoas. Falar de lugares que passei e contar histórias que escutei. Falar de coisas boas e desafios, tentando diminuir a saudade de casa... Acho que vai ter de tudo, desde do punk japonês aos vários problemas com a comunidade brasileira.
Resolvi iniciar isso colocando um texto/relato que escrevi assim que cheguei no Japão. Algumas pessoas já leram e outras não, mas penso que vale a pena falar disso outra vez. Alguns caminhos que trilhei desde que sai de São Paulo em fevereiro de 2006, passando pelos Estados Unidos e chegando finalmente ao Japão. Depois contar sobre os caminhos que percorro agora, principalmente com os sons e as imagens de hoje.
A história começa mais ou menos assim,















Minha passagem pela gringolândia, antes de dizer o que acontece nas terras de cá, foi interessante. Passei um bom tempo em Nova York e por lá aprendi um pouquinho mais. Minha recomendação é: visitem antes que acabe.Tá bom: um certo exagero nisso, mas vamos aos fatos. NY é uma cidade encantadora, com muita vida e um grande coração. Comparações com São Paulo são inevitáveis: gente pra caramba, boa comida, muitas línguas pelas ruas, música, barulho, carros, bikes, mais gente e mais carros. O problema é que ela está enloquecendo da pior maneira possivel. O 11 de setembro tem bastante responsabilidade por isso. Todo o tempo e em todo lugar vc escuta alguma mensagem dizendo “que se ver algo estranho, supeito, deve procurar um policial ou algum funcionário do local”. A mensagem acaba sendo: todos são supeitos! Tenha medo! Não confie em quem está a seu lado! NY tem um bom coração, mas quanto à cabeça não tenho a menor idéia de onde está. Mesmo assim, a resistência continua e as pessoas tentam viver como podem. Um bom exemplo desse povo vcs encontram aqui: www.criticalresistance.org Um grupo que vem faz muitos anos lutando contra o complexo de prisões nos U$A. Situação difícil, país que detem a maior população carcerária do mundo (mais de 2 milhões de pessoas), uma crescente política de criminalização da pobreza, muitos presos políticos e censura. Fiquei um tempo com eles em NY e isso me ensinou muito sobrepolítica estadunidense, Panteras Negras anarquistas e esperança na barriga do diabo...rs O tempo que também estive em Peekskill (pequena cidade no estado de NY) foi bom. Meu amigo Scott está lá ensinando e eu pude visitá-lo e trabalhar com isso. Isso ajudava a passar os dias que estavam congelantes (chegou a fazer ?11?c). Antes de partir de NY falei com algumas pessoas de um projeto muito legal sobre saúde mental e autonomia. Chama Icarus Project e estão trabalhando com propostas de um política de saúde mental autonomista. Confiram: www.theicarusproject.net Saí de NY e minha última hora na Big Apple, acompanho um protesto pelo assassinato de Sean Bell, jovem negro de 23 anos que foi executado pela polícia novaiorquina. Triste coincidência como polícia é polícia em qualquer lugar do mundo, resumindo: violenta, racista, autoritária e no caso de NY, a maior força militar urbana do mundo. Sena Bell foi morto quando a polícia abriu fogo contra seu carro disparando nada menos que 50 tiros. Isso foi em fevereiro e até agora ninguém sabe por que isso aconteceu direito. A defesa da polícia disse que eles agiram pelo benefício da dúvida. Ou seja, em NY a polícia pode te matar se o policial achar que corre perigo e ponto final. Isso mesmo, se o policial “achar” que você é um suspeito ele pode matar você, depois perguntar e nada vai acontecer. Alguns anos atrás algo parecido aconteceu quando policiais de NY fuzilaram com 48 tiros um jovem africano na frente de sua casa. Igualmente o argumento foi que ele era “suspeito”.
Saio de NY e vou parar no deserto do Arizona. De um frio congelante para um calor escaldante. Phoenix é uma cidade curiosa: ela está onde não deveria existir nada. Uma cidade enorme no meio do deserto. Um lugar onde nunca chove e que está cheia de carros e concreto. Da pra imaginar? Tudo é longe pra caramba e quase impossível encontrar vegetação diferente de coqueiros, grama e cactus. Mas estava eu ali visitando minha querida amiga Amelia - uma italiana-americana (como ela mesma me disse) que trabalha em um sindicato organizando trabalhadores latinos de uma rede de hotéis. Uma sugestaão é assistir o filme Pão e Rosas de Ken Loach. Mostra bem como andam as coisas no sul do país dos bravos e forte. Ali pude conhecer outra grupo chamado No Más Muertes “No more Deaths” www.nomoredeaths.org . Grupo de apoio humanitário que vai para o deserto ajudar gente que está atravessando o deserto a pé para chegar aos Estados Unidos. Uma caminhada de pelo menos 3 dias e 3 noites pelo deserto. Você leva apenas uma garrafa de água e um pão, nada mais. Esse grupo vai de carro por todo o deserto deixando garrafas de água e comida para possíveis pessoas que estarão vindo pelo deserto. Desnecessário dizer que a polícia da fronteira odeia todos eles. Quando funcionários do governo encontram essas garrafas de água e comida, sempre furam as garrafas e levam a comida embora. Eles tentam também intimidar o grupo com ameaças físicas e possíveis processos, mas o argumento do grupo é imbatível: ajuda humanitária internacional. A ONU e a Anistia Internacional reconhecem a importância de grupos como este no deserto do Arizona, que vem ganhando cada vez mais caráter como zona de refugiados.Infelizmente não pude ir para o deserto com eles, pois na semana que estava por lá eles estavam planejando outras ações na cidade. A repressão aos imigrantes é absurda e violenta, e não tenho dúvida que nessa parte o fascismo é declarado. Apesar da repressão não diminuir na fronteira com o México e o muro que foi construído para dificultar a passagem dos mexicanos o processo é irreversível. As pessoas vieram pra ficar e quanto maior a repressão, maior a resistência de todos os latinos por lá, e eles tem mais é que vir! Andando pelos Estados Unidos fica claro que toda sua riqueza e opulência nada mais é do que resultado direto de anos e anos de exploração (eu sei que não precisa ir para lá para saber disso, mas...). A situação dos indigenas é lamentável, os negros continuam discriminados e latinos, africanos e asiáticos são uma espécie de subcategoria de pessoa. Eles utilizam uma expressão para designar quem é o verdadeiro americano aqui: wasp – white-anglo-saxon-protestant. Mas por favor, não pensem que todos por lá são “estranhos”. Todos esses grupos que citei até agora foram feitos por gente que não concorda com Bush, com racismo, preconceitos mil e estão dispostos a lutar para mudar isso. Gente boa e gente “mais ou menos” estão por todas as partes. Em compensação a comida estava ótima. Autêntica comida do Arizona: burritos, quesadillas e quacamole. Viva Zapata!!!Deixo o Arizona e vou para San Francisco, Califórnia. Reza a lenda que em San Francisco o verão dura o ano inteiro. Depois de sair do clima abaixo de zero de NY e passar pelo deserto do Arizona, encontrar o sol com a brisa do mar de San Francisco foi ótimo. Fiquei com minha querida amiga Toya na parte central da cidade chamada Civic Center. Bem rápido descobri que estava entre os “loucos”. Realmente é incrível a quantidade de moradores de rua, usuários de drogas e ex-internos de clínicas psiquiátricas pelas ruas. San Francisco sofre hoje o resultado da especulação imobiliária da última década. Muita gente que não podendo pagar o aluguel foi parar nas ruas e albrgues. A cidade foi invadida por yuppies endinheirados do mundo cibernético (sabe o Google que a gente adora? Está em San Francisco) fazendo todos os preços subirem. Uma gente que vive em um mundo tão politicamente correto que chega a assustar, afinal onde estão as contradições humanas? Quanto aos usuários de drogas acho que não preciso explicar muito: California Dream, lembra? Foi bastante educativo conhecer uma loja que vende todo tipo de fumo que você pode imaginar, inclusive “marijuana”. Sim, em San Francisco o uso da maconha é legalizado, desde que vc tire uma carteirinha provando a necessidade terapeutica de tal erva, coisa não muito dificil de se fazer. Já os ex-internos temos a consequência de uma reforma psiquiátricas sem propostas adequadas e com uma política um tanto quanto doida que fez com que muitas pessoas se tornassem moradores de rua. Após anos de internação, as pessoas perderam todo vínculo familiar e comunitário, tendo muitos problemas para se readaptar ao mundo do lado de fora dos muros das clínicas. Como o clima é favorável o ano inteiro, fica mais “fácil” viver nas ruas da Califórnia que no inverno de NY ou no deserto. De qualquer maneira, San Francisco e Oakland são cidades muito boas. Oakland é onde ficam muitos bairros pobres, a concentração de latinos e africanos é maior e evidentemente onde o batuque é mais animado. Pude ir para uma feira livre e comer autêntica comida africana (acreditem se quiserem, mas a melhor comida que provei foi da Etiópia), tocar com gente de toda América Latina e África em uma big band improvisada ao lado da estação de trem - digasse de passagem outra coisa óitima por lá (você pode até entrar com sua bike nos vagões). Valeu o tempo de alguns dias para tocar, dançar e fazer bons amigos. A capoeira angola do grupo Fica foi bastante inspiradora também. Um povo bonito, gentil e digno. Fazem uma capoeira rica e forte que vai além das fronteiras e dos doláres do Tio Sam.
Foi com eles que acabei indo parar em um dos melhores shows da minha vida: Skatalites! Os tiozinhos do ska jamaicano em carne e osso na minha frente. Powerfull!! Foi incrível. Totalmente recomendável para combater o tédio e o mau humor da vida apressada e enfadonha. E foi assim que parti da gringolândia para a terra dos samurais, gueixas e chá amargo.Como eu havia dito, o Japão não é a Bahia, mas é lindo. Salta aos olhos a organização e limpeza de todas as ruas . Eu afortunadamente chego quando começam a florecer as cerejeiras, ou como eles falam, sakura.















E bem rápido você começa a se dar conta de coisas interessantes. Primeiro: o povo japonês me parece muito simpático e receptivo nas grandes cidades. Quase todo mundo com quem estive, de algum modo foi muito simpático e educado. Estão sempre fazendo milreverências e sempre dizem por favor e obrigado em todas as frases. Quando eu digo que não falo japonês (usando meu tosco japonês) eles daão um jeito de falar inglês, espanhol e até mesmo português (claro que da maneira tosca deles), mas tenha certeza que você não vai ficar na mão. Mas nem pense que no Japão é comum as pessoas falarem inglês. Uma tremenda mentira que ouvi no Brasil. Falam inglês povo engravatado dos grande centros e alguns universitários, algo como SãoPaulo (Av. Paulista-R. Augusta-Circuito “moderninhos”), mas fora daí você tá lascado. E quandode nenhum modo você consegue se comunicar, vale a mímica - sua e deles. Pacientemente eles te ensinam o que vc precisa saber (precisei ir em uma lan house imprimir umas folhas e foi um grande desafio. Ninguém entendia o que eu precisava e tudo, absolutamente tudo estava em japonês, apenas kanjis, inclusive os comandos da impressora, mas dei um jeito...).Bom, de volta às ruas. Não dá pra não perceber a quantidade de bikes por aqui. Todo mundo usa. Gente que vai pro colégio, homens de terno e gravata indo pro trabalho, meninas patricinhas de salto alto, velhinhas voltando da feira, senhores passeando. Incrível mesmo. Dá uma olhada na foto: eu nas ruas de Kyoto e uma mina de sobretudo e sandália andando de bicicleta. E viva a bicicleta!




















Afinal de contas é rápido, econômico, barato, saudável e não polui. Recomendo então: http://www.bicicletada.org/
Das ruas para os bares e cafés. Parece que o Japão só escuta musica brasileira! Muito comum você entrar num café ou bar e tocar bossa nova, samba ou mpb. Veja também que os japoneses possuem um ótimo gosto musical, não pela música brasileira apenas, mas pela abertura à outras coisas. Eles escutam muita música da África e muito jazz. Falando em música boa, vejam isso: www.transito.zip.net O doido do Velot vem escrevendo muito bem e dando ótimas dicas da música mundial. Tem coisa da periferia de Sampa até do underground holandês. Diria que minha viagem nos últimos dois meses estão embaladas pelo que está aqui... vale a pena. Outra coisa que é muito bacana, que sempre ouvimos falar, é a tal mistura da modernidade e tradição. Verdade. Enquanto as ruas estão cheias de maquininhas que vendem desde comida e cerveja, muitas mulheres estão de kimonos pelas ruas. Quando fui para Kyoto pude ver uma gueixa de verdade atravessando a rua. Acho que foi uma das coisas mais bonitas que vi. Absurdamente linda, parecia sair de um livro de arte. Quase fui falar com ela, mas haviam alguns turistas idiotas que pensavam que ela era um souvenier qualquer e quase derrubaram a coitada dentro do rio. A velha diferença do turista e do viajante, não? Enquanto o viajante escolhe um caminho e tenta aprender sobre ele e as pessoas que estão nele, o turista apenas busca o melhor foco para sua foto sem nem ter idéia do que isso significa. Está bem que talvez essa gueixa não ficaria de papinho com um estrangeiro na rua, mas seria legal saber o nome dela e se haveria algum lugar para conhecer mais sobre essa arte. Além dessas figuras bonitas na rua, difícil descrever a sensação de entrar em templos e castelos com mais de 800 anos.














Agora estou buscando por um bom lugar para sentar e meditar com monges budistas. Sei também de alguns anarquistas que moram na cidade vizinha e em suas reuniões discutem técnicas de ação direta e de meditação. Eu gostei disso. Nos próximos dias pretendo também conhecer um grupo de psicólogos que estão trabalhando com questões de Migração. Há uma grande comunidade latina, de árabes e chineses aqui. Muitos desafios com educação e adaptação. Vamos ver como vai ser.E asim estou, meus amigos. Morando em uma casa que tem tatame e que não pode entrar calçado. O duro é tomar café da manhã comendo arroz, mas como diz o ditado: em Roma como os romanos.Espero que vocês estejam em paz e que possam ter uma vida feliz, repleta de coisas boas, com força e paciência para superar os problemas. Acreditem, sigam em frente e contem comigo, não tenho como dizer o tanto sou afortunado por conhecê-los.Um beijo e um abraço enorme. Saudade.

2 comentários:

Jú Pacheco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
RJ Maccani disse...

Ai cara! Bem-vindo no mundo do blog...abraços de nova iorque!