quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Violência de faz-de-conta x realista

Fui assistir ao filme Tropa de Elite 2. Apesar de todo falatório queria aproveitar o dia chuvoso e conferir se realmente ele estava melhor que o primeiro. Depois de toda expectativa algo acontece na sessão onde eu estava que me chamou mais atenção que o próprio filme. A recomendação do filme é para maiores de 16 anos de idade. Conhecendo o primeiro já podemos imaginar por qual motivo da faixa etária ser essa. Não sou da opinião que essas recomendações, ou censuras, deve ser levadas a risca, mas alguma cautela não é de todo mal. O que vocês achariam de um público com crianças de todas as idades, de 1 aos 12 anos, assistindo uma trama com certo grau de complexidade, repleta de violência, tortura, ameaças, estupro e crueldade aos montes? Pois era esse o cenário do cinema onde eu estava. Confesso que não contive minha perplexidade e indaquei a respeito da presença dos pequenos em um filme extremamente brutal e sem nenhuma sutileza ou algo que justificasse a presença deles alí. Cheguei a perguntar depois para uma funcionária sobre isso e ela me informou que as crianças acompanhadas de pais podiam entrar. Ops, tudo bem? como assim? Eu devo ter perdido alguma coisa e não me dei conta! Estou pouco me importando com as exigências do governo a esse respeito, não sou um legalista que por qualquer otivo esbraveja sobre a lei e a ordem, mas fico sim confuso com os temas que devem interessar a uma criança. Não tenho tantas certeza nesse mundo, mas algo que estou convencido é de que assassinatos, torturas e estupros não devem fazer parte disso. Não se trata de ludibriar os pequenos e apresentar um mundo cor de rosa onde essas coisas terríveis não ocorram, porém não encontrei resposta para entender o que leva um adulto deliberadamente a expor uma menininha de 5 anos a isso tudo?! Haviam mais de 15 crianças com idade até 10 anos durante o filme. Ainda estou susrpreso e não sei bem como avaliar toda essa condição sem considerar o possível efeito no mundo imaginário infantil. De um modo geral entendo a necessidade de certa agressividade das crianças como maneira de liberar stress e energia, e um outro tanto de violência-de-faz-de-conta para elaborar medos e temores irracionais. Alguns desenhos animados e video-games proporcionam isso, apesar de toda polêmica sobre o assunto. Entretanto a exposição a doses enormes de violência realista pode produzir um efeito contrário e aquilo que serviria para aliviar acaba por criar mais angústia, desconfiança, agressividade e medo. Sou partidário da opinião de que crianças são capazes de diferenciar a maior parte da fantasia da realidade, além do fato de saber que elas não são seres estúpidos e sem vontade própria como boa parte dos adultos ainda insistem em pensar. Imaginar é bom, e de uma maneira geral quando orientadas podem ir lidando com a realidade que as limita e frustra sem necessariamente isso ser um desastre. E quando essa orientaçao é comprometida por pais bizarros, e eles sim, sem nenhuma noção de realidade? Bom, de cara sinto muito por essa criança. Aprendi com um pediatra que dizia ao receber uma criança em seu consultório não agradecer aos pais por trazerem seu filho para o atendimento, mas dizer à criança por trazer seus pais! Aqui a perspectiva é outra. Estou fazendo uma caricatura, mas boa parte dos problemas de comportamento de inúmeras crianças estão relacionados com a maneira que os adultos de referência olham para ela e o mundo. As vezes ela nada mais é do que porta voz de uma dificuldade maior e anterior. Depois disso, o filme passou a ser secundário para mim. O filme tem lá seus pontos bons e suas críticas. Interessante que a coisa na história fica muito mais complexa do que na primeira edição. Ruim é o capitão, agora coronel Nascimento, continuar como o herói e ser a melhor referência daquilo que é correto e desejado. Porém lamentável mesmo é a presença de adultos idiotas sem a mínima capacidade de terem filhos sacaneando pequenos seres que não podem se defender adequadamente desses abusos. Sim, você nunca pensou que parte do enrosco que vivemos nos dias de hoje é exatamente por termos pais que f*** com seus filhos? Pois é isso que se faz a uma criança ao levá-la para esse tipo de "programa familiar". Para esses, e para interessados nesse tema, recomendo urgentemente a leitura do livro de Gerard Jones, Brincando de Matar Monstros - porque crianças precisam de fantasia, videogames e violência de faz-de-conta, editora Conrad. Ótima oportunidade para ir além do senso comum e entender um pouco mais a respeito desses limites e modos de compartilhar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Alê! Também fui assistir o filme num fim de tarde chuvoso. No Odeon, um cinema pra 600 pessoas. Não vi crianças na fila imensa. Também não vi o Tropa 1, mas ouvi dizer que o Capitão Nascimento era o grande herói e continua a sê-lo. Eu fiquei chocada com a reação "hilária" da audiência em cenas terríveis, de extrema violência como a da queima de corpos ou com o comportamento de torcida organizada de futebol em filme de bang bang. É isso. Beijos, cidinha.