quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A respeito dos calçados e dos pés ou sobre pedalar pelo litoral.

Voltamos. E no ritmo da Bahia, logo, não tenha pressa. Falaremos da última jornada vivida por esse que lhes escreve. De Ubatuba-SP a Itanema-RJ e depois de Eunápolis-BA a Conceição da Barra-ES de bike. Aproximadamente 500km de pedal pelos mais diferentes terrenos e as mais incríveis pessoas. Assim sendo, falemos primeiro de um fiel companheiro: meu par de tenis. Fundamental falar disso porque foi com ele que andei por essa região. As vezes lhe dava um descanso, mas em boa parte do caminho estava alí, firme, sujo, vivo, roto, rindo, falando mesmo. Duvida? Nossos pés são sagrados e deveriamos tratá-los como tal. São eles que nos conduzem, nos sustentam, nos avisam de intempérios momentos e se vamos ou não seguir a viagem. Devemos oferecer a eles lugar de destaque em nosso cuidado com o corpo. Relega-los é trabalho dobrado e cansaço desnecessário. Claro que não devemos ser tão dependentes dos calçados que usamos. Pisar no chão e sentir a terra em cada parte, em cada grão de areia ou grama é fundamental. Porém não sou um hippie ou primitivista pra achar que devemos incendiar nossos calçados e nossas roupas, então... Meu tenis esteve comigo por quase dois anos. Veio de Ogaki, no Japão e caminhou por outros dois continentes antes de chegar aqui. Experimentou o concreto, a lama, o asfalto, a água salgada do mar, o mangue, o mato, a água doce dos rios. Caminhou, pedalou, dirigiu e voou. Isso da maior intensidade e frequencia para a menor. Ficou em São Paulo e não se pode fazer muito por ele agora. Agradeço esse tempo que me foi útil e agradeço aqueles que o fizeram para que eu os utilizasse. Lembrei de uma história zen. Contam que um importante monge possuia uma chicará de chá da qual nunca se separava. Ele a possuia a muitos anos e tinha adoração pelo objeto, um artefato raro e de beleza única. Num dia qualquer seu discípulo, limpando os objetos na mesa, por um momento de distração esbarra na tal chicará e a deixa cair, simplesmente a destruindo sem possibilidade de reparo. Ele fica apavorado e sem qualquer reação. O que vai fazer agora? O vai dizer ao monge? O dia passa e um pouco antes da hora do chá o aluno respeitosamente se aproxima do monge e diz:

"O senhor poderia falar algo sobre as coisas que amamos e a morte?"

"Claro!" diz ele. "Importante pensar sobre isso. Acontece que a morte vem para todos. Tudo aquilo que surge um dia desaparecerá. Nada, inclusive o que gostamos tanto, pode continuar a existir para sempre nesse mundo."

O discipulo escuta atentamente e responde:

"Ah! Entendi. Então, deixa eu te contar uma coisa que aconteceu hoje de manhã..."

Um comentário:

untitled disse...

Linda a pedalada, linda a história zen, lindo você, meu querido. Parabéns por se permitir ir além. Além na quilometragem, na busca e na profundidade. Realmente inspirador. Beijo!